quinta-feira, novembro 08, 2012

Dadadada-dadada-dadadada



Como qualquer outra história, esta começa num bar, bem húmido e fedorento, com os mais desprezíveis membros da sociedade lá nele enfiados. O bar chamava-se o “Chacal Molhado”, conhecido por ser empestado por todo o tipo de escumalha. Assassinos, ladrões e todo o tipo de rufias e presidentes da republica empestavam este local, portanto era de estranhar quando oficiais do Rei entravam no buraco e vamos admitir, deixava muita gente nervosa quando o fazia. Portanto quando o Grande Padre do Santo Sacramento do Milho entra escoltado por meia dúzia de guardas de elite, ninguém estranhava o cintilar de armas debaixo da mesa. Eu cá nem me deixei ficar nervosa como muitos outros dos meus colegas de profissão, apenas deixei soltar um riso ruidoso ao pensar no quanto fácil seria enfiar uma navalha por entre as falhas na armadura e usava os seus corpos como acento para os pés enquanto lia o jornal. Mas estou a divagar.
Voltando ao assunto em questão, os homens entraram e nem olharam duas vezes, deslocando-se logo para o seu alvo. Para mim. Em preparação sorvi toda a cerveja que tinha na caneca e pus-me a rodar uma faca na mesa só para causar boa impressão.
O Padre chegou à beira da minha mesa e olhou-me com cara de poucos amigos.

- Leiva, assumo?

Fingi surpresa e para fazer a minha reacção o menos autentica possível cuspi toda a cerveja que tinha para cima do Padre. Enquanto ouvi muita gente no bar a rir, os guardas não ficaram muito satisfeitos, tanto que desembainharam as suas espadas e apontaram-me à garganta.

- Rapazes, rapazes, é assim que se trata uma menina? – Defendi-me com um sorriso inocente. – Ainda por cima com o susto que me causaram nem pude saborear o resto da minha bebida. – Debrucei-me ligeiramente para a frente e os guardas reagiram, acabando com a espadas a roçar-me na garganta. – O que ao menos podiam fazer era pagar aqui à donzela uma rodada extra.
- Paguem à catraia mais uma cerveja, e tragam uma para mim também. – Falou o padre com um à vontade desconcertante.
- Isso mesmo. – Retorqui apontando com uma navalha apontada às minhas cicatrizes. – Desde este belo serviço que um rapaz não me paga uma bebida. Então senhor Padre regente de tudo o que é quinta e cereal, o que é que precisa de uma velhaca criminosa descriminada não possuidora de…
- Só milho. – Disse o Padre calmamente.
- O quê?
- Só milho. Só sou regente sobre o milho. – Explicou o Padre ao mesmo tempo que chegavam as bebidas. – O trigo, e o centeio são outra história, já para não falar da farinha de arroz.
- Sim, a complexidade dos cereais e as suas farinhas, mas não é para isso que estamos a falar. Na realidade até é, pois… A minha cabeça às vezes divaga. – Desculpou-se o padre.
- Eu entendo. Neste momento se ouvir bem está a haver uma conversa sobre algo que é “puro ouro”. E o padre não faz a mínima ideia de o quanto me apetece rouba-la. – Aproveitei para confessar, já que estava em frente a um padre.
O padre franziu o sobrolho e nesse momento duas canecas chegaram à mesa.
- Obrigado amor. – Agradeci ao guarda, fazendo questão de piscar o olho direito que era o que estava marcado de cicatrizes e surpreendentemente o homem por debaixo da armadura mostrou sinais de embaraço. – Hmm… Pelo que parece ainda estou boa para as curvas. – Respondi mostrando o meu melhor sorriso e dando o maior trago que eu conseguia da cerveja.
- Por mais que os meus guardas apreciem os seus namoricos, não é por isso que estamos aqui. – Crispou o padre mostrando sinais de irritação.
- Eu sei, eu sei, mas desculpe-me padre.

Estava farta. Levantei-me e dirigi-me para a mesa de onde estava a ouvir todo aquele burburinho. Quando me aproximei nem pensei duas vezes, peguei na minha navalha e cravei-a no meio da mesa dizendo o mais lentamente e austeramente possível.
- Vocês param de falar no valor de ouro? Jeesh! Sabem o que é que essas coisas fazem a uma miúda como eu? Vá lá, pode não combinar com os meus olhos mas com este cabelo?! Ui, não há nada que não combine com ele. - Ninguém me respondeu e o silêncio fez-me reparar que tinha interrompido algo de um grupo bastante estranho, até nem entendia o que metade de eles era.
- Que antipática! – Disse uma voz estridente. – Ainda me pergunto porque é que estamos neste sítio fechado e escuro quando podíamos ter uma bela fogueira ao ar livre a comer bagas, fruta e deliciosa relva. No entanto temos de estar aqui, ainda por cima a ser insultados! Só não lhe dou um coice porque não quero estragar a manicura destes cascos e vocês não sabem o quanto trabalho dá…
- Cala a boca Dead! – Interromperam os seus companheiros em uníssono
- Uma corça acabou de me responder?! Vamos ignorar que é metade de uma mulher, é uma corça! – Balbuciei estupefacta.
- Eu não sou uma… – A criatura respondeu de volta mas eu cortei-lhe o pio imediatamente.
- Não quero saber! Eu estou a falar com uma corça… Desculpem ter-vos incomodado, não sabia que as coisas estavam assim complicadas.

Virei costas e corri dali para fora. Havia tanta criatura estranha naquela mistura que até tive medo de apanhar uma doença. Um deles não estava de boa cor e acho que tinha pedaços a cair. Devia ser um daqueles marroquinos que todos falam.

- Leproso. – Disse o padre.
- Desculpe?
- Querias dizer leproso.
- Wow. Não sabia que os padres podiam ler a mente das pessoas! – Expantei-me com tamanho poder.
- Eu não te li a mente. Tu é que estavas a disparatar isso tudo em alto e bom som. – Explicou o padre.
- Ai foi? Desculpe sua iminência. Eu às vezes distraio-me. – Desculpei-me. – Você sabe… Sítios onde estar… coisas para destruir… cenas para roubar… o que me faz lembrar do rubi da tiara da princesa de Luria. Sabe o quanto aquilo pode valer?
- Estou a ver que perdi o meu tempo com uma debilitada mental. Nem metade das coisas que contam sobre esta mulher são verdade. É uma idiota, uma parva. – Queixou-se o padre para os seus guardas, ficando em silêncio por um bom bocado como se esperasse que acontecesse alguma coisa. – Guardas, prendam-na. Uns dias nos calabouços vão ajuda-la a melhorar essa cabeça.

Eu não ofereci resistência. Quando os guardas me pegaram até fiz a gentileza de me meter mais próxima do que me tinha pagado a bebida, o rapaz cheirava a novo e eu quase que conseguia sentir o sabor do seu nervosismo. E lá fui arrastada pelos rapazes em armaduras prateadas, sobre aquele soalho sujo e empestado de cerveja derramada que até colava às solas dos pés enquanto o sagrado Padre do Milho arrastava o meu nome por um sitio mais sujo que este chão. Até que ele tocou no assunto perfeito.

“Ainda dizem que é uma mestre criminosa. Aposto que aquelas cicatrizes são de não saber agarrar num garfo”

- Vinte de ouro, dezassete de prata e umas trinta e duas de cobre. – Disse-lhe cripticamente e com o meu melhor sorriso.
- O que é que queres dizer com isso? – Inquiriu o padre antes de passar a porta da taberna.
- Se os teus meninos me soltarem e eu poder acabar a tua bebida, eu explico que esse é o teu conteúdo da tua bolsa de dinheiro. E antes que perguntes, acho que o facto de estar a ser presa só porque não gostas da maneira como falo é uma boa altura para eu parar com as cortesias. – Expliquei tudo com o mesmo sorriso o tempo todo.
- Como é que tu… – Tentou falar outra vez mas eu interrompi-o.
- Numa questão de segundos eu posso desarmar o nosso querido novato à minha esquerda e acabar por acabar com a carreira militar do pançudo à minha direita com qualquer coisa pelo joelho. – Continuei. – E já para não falar que posso mandar sua reverente eminência de Avati com algo mais no robe do que cerveja e proveniente de um dos seus amigos que me está a agarrar. Portanto, é melhor que me parem de tratar como uma criminosa de segunda categoria e mostrem um pouco de medo e respeito ou eu vou ter de mostrar que eu não gosto de ficar mal-humorada.