segunda-feira, novembro 24, 2008

Olhos dos Espíritos

- A Unga conseguiu! – Gritou Yarhan extasiado fazendo várias das suas cabeças de gado olharem para ele assustadas. – É a feira!
- Feira? Qual feira?
- A feira de Greadot! Nunca ouviste falar dela? – Inquiriu Yarhan perplexo
- O nome não me é estranho, mas não estou mesmo a ver o que possa ser. – Respondeu Skor esfregando o queixo, não tirando os olhos da coluna de fumo.
- É a feira de mercado dos pele-verde! Não acredito que não conheças. Corre todo o seu território sendo possivelmente o maior posto de comércio na terra! – Agarrou-se ao cajado e parou um pouco para não perder a respiração. – Eles raramente saem do território, mas a Unga conseguiu traze-los!

Não tardou a formar-se um sorriso na face de Skor, mas não pelo aparecimento da feira, mas pelo trabalho que Unga estava a desenvolver pelo seu povo. Ela via a felicidade na cara de Yarhan e mesmo sem entender as razões, tudo parecia estar a desenrolar-se para o melhor.

Yarhan levou o seu gado de volta para a aldeia, tão excitado com o que se aproximava quase se esqueceu que Skor existia, mas esta segui-o de perto sempre com um sorriso na cara, contagiada pelo entusiasmo do jovem. Na aldeia acabaram por se despedir e seguiram por caminhos distintos. A aldeia estava em alvoroço pois também tinham recebido observado a feira a deslocar-se, havia homens e mulheres a carregar várias mercadorias, outros ocupavam-se por desimpedir a praça de qualquer tipo de entulho, havia vários a montar bancas e no centro de tudo Unga gritava ordens enquanto ia ajudando um pouco em todo o lado. Skor sentiu-se perdida por instantes, nunca tinha visto tanto reboliço naquela aldeia nem os trolls tão agitados. Ficou de olhos esbugalhados a ver a correria de gente e a confusão que já estava instalada, ainda a caravana não estava bem visível.
Alguém a agarrou pelo braço e arrastou-a do meio da rua esbarrando contra algumas pessoas. Só quando pararam é que ela notou que era Jorin quem a puxara, o que mais uma vez a deixou perplexa, não era a primeira vez que acontecia, mas de cada vez que aquela troll dava exactamente com o local dela e era capaz de a conduzir para um exacto local um arrepio percorria Skor.
- Onde estiveste? – Perguntou Jorin um pouco irada.
- Com o Yarhan. – Explicou não conseguindo dizer mais nada, pois Jorin acabou por interrompe-la outra vez.
- E deixaste-me sozinha? Eu queria ter ido contigo!
- Mas tu não gostas quando eu vou com ele. – Disse Skor pausadamente, estranhando a sua reacção. – Tu sempre me disseste que as cabras te faziam confusão.

Não conseguindo discutir aquele argumentou Jorin corou e cruzou os braços amuada, o que fez com que Skor sorrisse para ela e a abraça-se. A inquietação de Jorin cessou e rendeu-se ao abraço.

- Tens estado tão estúpida nestes últimos dias. Senti saudades da minha irmã!

Skor não se dignou a dizer uma única palavra pois nunca se sentia com vontade de estragar estes momentos quando surgiam.

Desde que Skor tinha voltado à aldeia, o pai de Jorin, Taril, tinha-a hospedado em sua casa. A inicio apenas porque ele tinha os conhecimentos necessários para tratar das feridas que Skor tinha sofrido, mas ficou obvio que Skor não tinha mais sitio nenhum onde ir e que aquela aldeia era a única casa que alguma vez tinha conhecido, portanto cedeu-lhe o humilde quartinho que tinha para hospedes. Não aceitando como estadia permanente a principio, Skor insistiu em pagar com trabalho prometendo ajudar em qualquer coisa que fosse preciso, o que fez Taril, sem pensar duas vezes, pô-la como ajudante da sua filha. Jorin é uma troll em tenra idade, muito perspicaz e muito carinhosa, a sua característica mais distinta são os olhos brancos e vazios, pois nascera cega. Ela possuía uma grande afecção por Skor, no que ao início parecia apenas culpa, foi se mostrando algo mais puro e sincero, como um amor entre família, incapaz de se compreender mas forte e incontestável. As duas partilharam de uma grande cumplicidade, enquanto Skor ajudava Jorin a mover-se, Jorin por seu lado ensinava-lhe todas as pequenas artes dos mais humildes trabalhos.
Durante o curto reinado de Urnia, Jorin assim como outras poucas selectas trolls tinham sido escolhidas para serem acólitas, ou como Urnia as chamava: “as correntes de uma nova magia”. Cega, inocente e ignorante ao que se passava em sua volta, Jorin sentiu-se privilegiada ao ser escolhida e acatava as ordens de Urnia como se fossem chamamentos divinos. No entanto nos últimos dias de Urnia, uma inquietação tinha apossado o seu espírito e os seus olhos começavam a ver algo que não entendia pois nunca tinha visto: cores. Primeiro difusas e nubladas, ainda escondidas por traz da escuridão que ela via, lentamente com o passar dos dias, começaram a ganhar força e ela reparou que todas essas cores envolviam as criaturas, com diferentes cores dependendo da pessoa. No dia em que Urnia morreu, Jorin teve a visão mais esplendorosa e a mais aterradora que alguma vez viu. Quando lhe chegou aos ouvidos que algo se passava de errado e os sons de batalha invadiram a aldeia, ela pode observar uma luz a envolver uma figura esguia mas imponente, a luz brilhava num azul claro e puro como uma chama acabando em labaredas vermelhas, essa luz consumia tudo em sua volta e todas as outras auras que se aproximavam acabavam consumidas. Nesse instante, Urnia chamou-lhe a atenção e ordenou-lhe que afiasse um punhal, o que ela acatou rapidamente, mas sempre com o desejo de vislumbrar outra vez a chama azul que se aproximava.
Entregou a faca a Urnia e esperou de olhos fechados. Temia o que iria acontecer mas não queria duvidar de Urnia. Foi sobressaltada ao sentir um calor imenso a apossar-se do seu corpo antes que pudesse reagir viu-se dentro da mesma chama azul que à pouco vislumbrava, as labaredas dessa luz envolviam-na e fluíam pelo seu corpo como suaves e ternas carícias. Ao virar a cara para observar outra vez a fonte da luz, estacou-se em assombro, pois não via uma figura sem forma a libertar essa aura, mas todo o detalhe que os seus olhos nunca viram. O que foi uma fracção de segundos, para ela tornou-se uma eternidade. Uma criatura, de pele alva com traços suaves e infantis, longos cabelos loiros, ondulados e manchados por terra e sangue, não só dela. A sua cara estava marcada por vários e recentes cortes vermelhos, ainda tingidos por sangue fresco enquanto que os seus olhos brilhavam ardentemente na mesma cor da chama que as envolvia. Empunhava uma espada que trespassava um corpo. Os fios de sangue escorriam pela lâmina acabando por escorrer para o chão e esse sangue era de Urnia, isso era algo que ela já não conseguia ver, mas tinha a certeza. Assim que a vida de Urnia findou, uma pequena luz rosa trémula e fraca como se tivesse resistido a anos de opressão, surgiu em frente da guerreira que ainda se encontrava no mesmo sítio. Antes de essa luz voltar à sua força natural, algo negro ergueu-se, não uma luz ou uma aura como Jorin tinha visto até agora, era outra coisa. Algo com forma mas ao mesmo tempo disforme, algo com cor mas sem luz. E olhava para a guerreira, a sua negridão que sugava toda luz debatia-se com a chama da guerreira tentando, com extrema violência, consumi-la, mas falhava. Enfraquecido e furioso o ser lançou um enorme grito que para alem de ferir os ouvidos trespassou a alma de Jorin, enquanto fugiu pelo ar. Com esse grito, Jorin perdeu forças caindo no chão, não conseguindo manter as suas pernas a sustê-la, lentamente as cores foram outra vez fugindo do seu mundo, tendo como único consolo uma chama azul se recusava em murchar.
Foi nesse fatídico dia que os laços entre essas duas criaturas tinham-se formado e que com o passar do tempo apenas se tornavam mais fortes.

Normalmente Skor ajudaria a pequena troll logo de manhã na busca de ervas para o seu pai. Não que fosse algo que Jorin conseguiria fazer devido à sua cegueira mas agradava-lhe os passeios longos e o maior contacto com a natureza. Mais tarde elas tratariam da lida da casa e ajudariam Taril na criação de mais alguns unguentos e remédios. Desta vez o dia não se mostrava muito normal, desde ser a altura em que Skor se voltou a abrir ao mundo até à caravana que se avizinhava.
As duas voltaram para casa onde comeram um caldo que Skor preparou rapidamente, visto que Taril não se encontrava presente, ás ordens de Unga, Jorin obrigou Skor a vestir a sua armadura e equipar a sua espada, foi motivo de uma pequena discussão mas Jorin foi resoluta e Skor acabou por ceder.
Ela não tocava nela à uma eternidade. Mas ainda ela encontrava-se no mesmo sítio guardada numa bainha e com uma película de pó em cima. Ficou a olhar em silêncio para o cabo, os lobos cravados nele pareciam uivar por o seu toque, para que ela a empunhasse outra vez. Receosa mas calma, Skor levou a mão ao cabo e puxou-a lentamente para fora da bainha, sentindo um calafrio a percorrer-lhe o corpo. Ainda estava tão afiada e limpa desde o dia em que pegou nela pela primeira vez e reluzia com a luz fraca que entrava pela janela. As memórias que lhe passavam pela cabeça não a deixavam, por mais que a desculpassem e por mais que ela dissesse a si mesma que tinha encontrado paz com a situação, ainda algo lhe afligia o seu mais intimo ser.
Skor bateu com a bainha contra a parede para sacudir o pó e colocou-a no seu ombro, em seguida embainhou a espada tentando cortar os pensamentos da sua mente e sem dizer mais nada abandonou o quarto, deu o braço a Jorin e ambas saíram para a rua.

Com a aproximação da caravana os trolls aglomeravam-se à entrada da aldeia, com algumas poucas excepções. Unga estava rodeada de alguns anciões á entrada de sua casa, que lhe vestiam uma túnica roxa e azulada, elaborada e ornamentada com madeiras como se fossem vários totens. Após a complicada túnica estar vestida o ancião mais reverenciado da aldeia, um velhote de nome Rasi, acompanhou-a até perto de Skor.

- Obrigado. – Disse Unga dirigindo a palavra a Jorin. - Ainda bem que já estás pronta, temos de ir!
- Mas para que foi isto tudo? – Questionou Skor ainda não muito à vontade com a situação.
- É uma simples cortesia Skor. – Explicou-me Rasin. – Uma, digamos, introdução formal, em que a líder irá apresentar-se aos convidados, tu vais estar lá, e assim trajada porque os Pele-Verde têm um enorme respeito por a tua pessoa e deixara-os satisfeitos poderem ver-te ou até falar contigo.
- Para alem disso, não sei se me sentia com a mesma coragem sem ti ao meu lado. – Terminou Unga com um sorriso, fazendo Skor baixar a cabeça envergonhada.
- Então e eu? – Indignou-se Jorin.
- Sem ti não conseguíamos tirar esta de casa. – Brincou Unga e todos riram-se sem excepção, apesar do riso de Skor ter sido baixo pois ainda estava um pouco envergonhada.

Os trolls abriram caminho para a líder, seguida de perto por Rasi e por Skor que conduzia Jorin por um braço. Todos mostravam grande reverência e apreço à jovem líder. Pelo meio da multidão conseguia-se ouvir uns quantos gritos de apoio a Skor, de facto alguns dos pupilos que Skor treinava estavam entre a multidão e gritavam palavras de apreço à sua capitã.
Todos concordariam que Unga estava deslumbrante, apesar da roupa vestida confinar-lhe demasiado os movimentos ela encontrava-se com uma graciosidade tremenda, os cabelos tinham sido eximiamente bem tratados e o seu brilho alaranjado quase se fundia com as cores da roupa. Os seus olhos castanhos cintilavam como o sol do meio-dia enquanto mantinham-se focados no caminho á nossa frente. Lutando para se manter equilibrada com essa roupa aparatosa que não estava habituada a vestir, apoiava-se num bordão ornamentado com o símbolo da aldeia.
No fim da multidão estava o início da rua de entrada para aldeia. A caravana ainda estava a uma distância considerável mas já pouco teriam de esperar. Skor conseguia vislumbrar ao longe criaturas estranhas e outras familiares, umas maiores outras menores. Desde lobos gigantes que eram usados como montada, até outros seres de ainda maior porte, cinzentos, de focinhos com fileiras de cornos assustadores que carregavam incontáveis sacos e arcas. Quando mais próximos, Skor finalmente reconheceu aquelas criaturas que tanto tinha ouvido falar denominadas de peles-verdes e só quando estavam prestes a chegar á entrada da aldeia é que ela conseguiu ver todas as diferenças entre eles. Havia dois tipos, uns mais pequenos, não mais altos que uma criança. Esses movimentavam-se rapidamente, em cima daquelas criaturas colossais e cinzentas, com uma agilidade tremenda, como macacos usavam os pés como mãos para se agarrarem em cordas e outros objectos, mas estes tinham garras afiadas em vez de dedos. Tinham narizes e orelhas pontiagudas e vozes estridentes. Os outros eram de uma estatura mais próxima da dos trolls, mas mesmo assim alguns não passavam do tamanho de Skor, os homens eram largos e musculados, enquanto que as mulheres eram mais altas, esguias mas igualmente bem constituídas. Tinham quase todos cabelos compridos, adornados de tranças, pedaços de metal entre outros. Estes caminhavam em volta das criaturas cinza ou montavam os lobos.

Com vários gritos a caravana foi parando. Um dos pele-verde que seguia á frente desmontou do seu lobo, esperando por uma das criaturas de menor estatura se juntasse a ele. O menor era uma mulher, ou aparentava ser, tinha traços femininos tanto na cara como no corpo, ostentava uma cabeleira com um tom loiro que parecia tender para o rosa, presa por um gancho no topo da sua cabeça e cheia de caracóis bem definidos como se tivesse preparado cada um pormenorizadamente. O seu vestido descia até aos pés e apresentava-se sem ombros e com um decote bastante avantajado para uma criatura daquela estatura, a sua cara e especialmente orelhas estavam pejadas de pequenos objectos de metal. O maior, apesar de aparentar já ter uma idade avançada, possuía um aspecto ameaçador e imponente. Tinha as costas totalmente direitas com uma pose imponente, tinha o crânio completamente sem cabelo excluindo uma enorme trança grisalha atrás e quase parecia reluzir com os raios do sol. Por baixo de um manto de peles tinha vestida uma armadura leve do que parecia ser cota de malha.
Unga, Rasi e Skor mantiveram os olhos nos dois enquanto se aproximavam, ambos os lados apresentavam expressões sérias e insensíveis até se encontrarem frente a frente. A primeira a ceder foi Unga mostrando um sorriso tímido, de seguida a pele-verde menor respondeu com um largo sorriso.

- Eu, Eve’leth, representante dos Goblins da feira de Greadot, O Dragão Verde, saúdo-vos. – Disse a criatura com uma voz bastante aguda e mantendo o seu sorriso.
- Saúdo-vos Eve’leth, por parte de Kandia e seus habitantes. O meu nome é Unga e sou a líder desta aldeia. – Respondeu Unga fazendo a maior vénia que o seu vestido a deixou fazer. – Este é Rasi, mais sábio ancião de Kandia. E esta é Skor, salvadora e guerreira de Kandia.
- Ah... este é-
- Eu sou Gork’ran filho de Guern’ran e representante dos Orcs. – Cortou o pele-verde com uma voz soante abafando a sua companheira. - É uma honra estar na vossa aldeia, assim como é uma honra estar na presença da Loba-Guerreira.

O orc levou a mão ao peito e fez uma vénia a Skor. Envergonhada, a loba anuiu e retribuiu a vénia.

- Mas chega de formalidades! – Guinchou a Goblin dando um pequeno pulo. – Minha cara Unga, recebemos a sua carta e pedido com grande entusiasmo pois nunca tivemos um pedido formal para que o Dragão Verde visitasse outra cultura. E é com muito gosto que aqui estamos para partilhar um pouco do melhor entre Trolls e Peles-verde.
- Agradecemos a vossa gentileza, quem sabe as maravilhas que poderemos ensinar uns aos outros. – Discursou Rasi com o seu tom sábio como sempre. – Tínhamos conhecimento da vossa feira ser um dos melhores pontos de comércio em todo o norte, mas que mais puderam trazer?
- Temos muito para oferecer caro Rasi. Pela primeira vez, não só oferecemos os nossos materiais assim como oferecemos a nossa cultura e o nosso conhecimento. – Respondeu-lhe rapidamente Eve’leth sempre sorridente. – E esperamos que os Trolls de Kandia retribuam com o mesmo! Agora só precisamos de um local onde assentar acampamento.
- Só têm por onde escolher. Para alem das nossas casas e quintas não roubamos mais espaço nenhum à terra. – Prosseguiu Unga.
Olhando em volta a goblin ponderou por alguns instantes antes de questionar ao companheiro que ainda não tinha desviado o olhar sério e frio de Skor.
- Tu tens melhor visão que eu! Onde achas que devíamos ficar?
- Perto do riu. – Respondeu Gork’ran fechando os olhos. Lentamente desviou a cabeça para encontrar o olhar da goblin e prosseguiu. – Voltamos um pouco abaixo no caminho em frente á floresta, onde a relva já não está tão verde mas onde ainda podemos desfrutar do que esta terra nos oferece.
Skor já se encontrava perturbada pelo olhar de Gork’ran, mas agora o discurso fizera-a arrepiar-se. Não esperava que o Pele-verde possuísse tanta clareza e serenidade. A sua raça intrigava-a e num esforço tímido para esconder a curiosidade acabou por perguntar:
- E precisaram de alguma ajuda?
O olhar glaciar do orc derreteu-se pela primeira vez esboçou um sorriso.
- A ajuda é sempre bem-vinda, a feira precisa sempre de umas mãos extra e os trabalhadores agradecem se alguém lhes trouxer comida.
- Gork! – Ralhou a pequena Pele-Verde. – Não vamos exigir nada a estas boas criaturas!
- Não, não. – Atalhou Unga. – Aqueles que quiserem ajudar estão na sua livre vontade. E claro que não vos iremos deixar passar fome!
Eve’leth riu-se e acabou por puxar os outros a acompanharem o riso.

Assim despediram-se, Gork’ran gritou uma ordem e a caravana começou a rodar para se deslocarem ao local pretendido. Unga anunciou para quem quisesse ajudar estaria livre de o fazer e assim os Trolls também acabaram por se dispersar.
Skor sentia-se intimidada por Gork’ran e pela sua raça. Todo o tempo que tinham estado frente a frente ele parecia estuda-la. Havia um grande respeito por parte do Orc, mas também parecia haver uma grande dúvida, no entanto o seu espírito benevolente fez Skor ganhar algum interesse. Jorin sentia a apreensão de Skor, mas preferiu não se pronunciar. Ambas voltaram a casa onde Jorin ajudou-a a despir a armadura e Skor vestiu algo mais leve. Depois, a guerreira deixou Jorin ao cuidado do pai e decidiu ir ao local onde a feira iria ser montada.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Olhos dos Espíritos

Dois anos passaram-se desde que o Jotun foi banido da aldeia dos Trolls. Em honra daqueles que morreram, vítimas das mentiras e das ilusões de Urnia, a aldeia recebeu o nome de Kandia, em honra da xamã e irmã do chefe da tribo que foi morta pela vontade de Urnia. Skor tornou-se uma heroína aclamada pela tribo, apesar do seu aspecto invulgar em relação aos trolls, eles acolheram-na como uma deles. A historia da guerreira de pele branca e cabelos dourados percorreu as terras do norte, acabando nas bocas de todas e as mais estranhas criaturas que o habitavam. Desde os pele-verde no sul que admiravam a sua bravura em combate, aos centauros nas vastas planícies a Este, para alem da montanha da lua que respeitavam a coragem e altruísmo que ela demonstrou a cumprir a sua missão.
O tempo foi passando mas a historia nunca desapareceu. Tanto o louvor por Skor como o medo do Jotun. O espectro que se ergueu de Urnia não fora avistado por todos, mas eles sentiram, tanto ódio e mal nunca passariam despercebidos. A aldeia evitava falar daquele sentimento de desespero e o frio que passou pelos seus corpos quando o Jotun esvoaçou pela a aldeia num grito de fúria e desespero. Algo que com o tempo acabou por ficar escondido na memoria de todos, mas iria manter-se sempre lá.
Após esses eventos a aldeia retomou a sua rotina. Enterraram-se filhos que outrora tiveram pais, agora eram conhecidos como os filhos de Urnia. Foi um evento triste, mas muitos deram graças aos deuses por ainda estarem vivos e de terem a oportunidade de se redimirem. Esses trabalharam arduamente para o bem-estar e reconstrução de Kandia e para a limpeza dos próprios nomes.
O cheiro a terra molhada e lavrada invadia o povoado, nas estações frias. O povo tinha adoptado a agricultura e alguns animais já tinham sido domados, a caça começava a tornava-se secundaria para a alimentação do povo, uma parede começou a ser erguida em torno das habitações e graças ao elevado comercio e assim a aldeia tornava-se cada vez mais um local fixo.
Com o passar do tempo a aldeia prosperou mais que qualquer outro aglomerado de trolls na região, varias famílias de outras aldeias foram atraídas pelo esplendor que Kandia começava a tomar e assim a aldeia cresceu, mas o tempo também trouxe os seus malefícios
Yorgsh cedeu ao peso da idade e pareceu durante o sono. Apesar de uma morte tranquila e em tempos de paz a lamuria que percorreu o povo foi incessante, era um adorado líder e por muitas bocas afirmado que era ele mantinha a tribo unida. Após este trágico acidente, Unga, sua única descendente viva assumiu o posto de líder e guia da tribo e fez o melhor para que conseguisse seguir as pisadas do seu pai. Rapidamente todos puderam comprovar que era o sangue de Yorgsh que lhe corria nas veias, tendo decisões ponderadas e benevolentes tentando tirar a maior satisfação para toda a gente pelas escolhas que tomava. Também demonstrou que não só saíra a seu pai, como à sua descendência e linhagem, a forte linhagem de magia presente na família Yorgsh e que se julgava extinta com a morte de Kandia, reavivou com todo o seu fulgor em Unga, que cada vez se tornava mais adulta, bela e sábia.
Skor por outro lado, não reagiu bem à morte do adorado líder, embrenhou-se na ajuda de Gan na com uma obsessão doentia na esperança de apaziguar a dor da perda. Nesse tempo forjou lâminas de beleza extrema e de qualidade que rivalizava o experiente Gan, mas todas elas possuíam uma aura de uma tristeza imensa. Nenhum troll poderia empunhar uma delas sem ser consumido pela pesada recordação dos acontecimentos que as tinham criado, devido a esse facto Skor apressava-se a guardar cada arma que fazia rapidamente debaixo de mantas para nunca mais olhar para elas. Tinha perdido um amigo, um conselheiro, um aliado, mas mais importante, alguém que se assemelhava a um pai. Na sua vida privada de memórias, o pouco que tinha eram aqueles à sua volta e quando um findava, o seu mundo ruía mais um pouco.

Um suave bater à porta quebrou o silêncio que a noite tinha trazido. Era tarde e Jorin temia que estivesse a acordar Skor, mas a sua preocupação e já um certo afecto que nutria pela guerreira faziam-na guardar coragem para enfrenta-la. Depois da morte de Yorgsh, Jorin raramente tinha ouvido a voz de Skor e Unga embrenhada nos seus afazeres não conseguia arranjar tempo para atender à sua amiga. A situação estava tensa e a jovem cega temia por Skor, pois podia não ver o que se passava, mas sentia tudo com uma afinidade imensa e desde que aquele fatídico acontecimento tinha assolado Kandia que ela sentia um negrume em volta de Skor mais negra do que a sua cegueira lhe causava.
A troll não teve resposta, portanto voltou a bater à porta. Novamente obtendo nenhuma resposta decidiu entrar sem permissão não seria a teimosia da guerreira que a faria parar. Skor estava sentada na cama olhando para o espelho apenas de calças e com um trapo a apertar-lhe o peito. Os seus cabelos pendiam em frente da sua cara, que tinha coberta por uma fuligem negra, apenas descortinada pelo incessante riu de lágrimas que escorria dos seus olhos. Ignorante da sua condição física, Jorin só conseguia ver uma aura negra e púrpura a formar-se em volta da forma de Skor e isso chegava para a afligir. Caminhou até ao lado de Skor e sentou-se ao seu lado envolvendo-a ternamente com um braço. Skor não negou o contacto mas também não pareceu confortar-se com ele, continuava apenas a fixar o seu reflexo no espelho. Jorin tentou ganhar alento para começar a proferir palavras de conforto mas foi Skor quem começou num tom desprovido de emoções.

- O que se passa comigo? – Jorin forçou Skor a encara-la, apesar dos seus olhos estarem cegos precisava de ter a certeza que Skor a ouvia.
- Algo que esperava que tu me dizias, mas não pode estar assim. A morte acontece, e é algo que devia ser chorado, sim, mas não devia fazer alguém quedar em desespero.
- E o devo eu fazer? Eu já me bravei contra a morte e trouxe morte a muitos, mas não me consigo conformar, aos poucos e poucos sinto tudo a desabar e ninguém irá levantar-me dos escombros.
- Não sejas tola! – Asseverou Jorin num tom muito pouco próprio dela. – Toda a aldeia gosta de ti, muitos consideram-te uma heroína e querem seguir os teus passos... muitos outros te amam como família, não digas coisas tão ridículas.
– Mas não são a minha famil-

Uma chapada forte cortou as palavras a Skor. Por uma fracção de segundos que pareceu longas horas Jorin continuou com a mão estendida após a estalada enquanto Skor permanecia imóvel, observando o nada e remoendo a dor e o remorso com uma expressão de choque. E outra vez antes que Jorin pudesse proferir alguma palavra Skor apressou-se a pedir-lhe perdão.

- Desculpa! Desculpa, eu não queria... vocês são tudo para mim... eu não sei o qu-

Jorin quase se desfazia em lágrimas quando desta vez cortou as palavras de Skor com um abraço pesado que lançou ambas contra a cama.
– Porque é que não vieste falar comigo antes? – Questionou Skor perplexa e finalmente confortada nos braços de Jorin.
- Porque tu és forte. Tu és a guerreira. Não sou eu, tu devias ter vencido isto! – Choramingou Jorin estreitando-se com força ao pescoço de Skor.
- Eu posso ser isso tudo... Mas tu acabaste de me vencer. – Finalizou fechando os olhos e entregando-se ao conforto do momento.

O sol raiou com um esplendor novo, pelo menos aos olhos de Skor. A pequena Jorin ainda dormia quando a guerreira afastou-se sorrateiramente do seu, agora débil, abraço. Colocou-lhe uma manta por cima com medo que ela passasse frio e beijou-lhe a face com um carinho fraternal antes se cobrir com um simples vestido e sair do quarto. A aldeia ainda despertava, com poucos trolls fora de suas casas. Pouco a pouco Skor foi percorrendo a aldeia dando os bons dias a todos os aqueles que lhe apareciam pela frente, muitos deles demonstrando uma felicidade tremenda em ver a jovem humana restabelecida. Skor conseguiu esquecer as tristezas e incertezas que lhe atormentaram a mente, até se riu um pouco ao lembrar-se do que tinha passado e o quanto se sentia ridícula. A sua família estava aqui era esta aldeia e não havia como negar, só faltava uma última coisa, para se sentir completa e era voltar a ver Unga. Ao chegar à porta da casa da agora líder de Kandia, mesmo antes de poder bater aporta foi assaltada violentamente por Esperança, que outrora não passava de uma cachorra, agora era uma loba enorme e forte. Quase derrubando Skor com o salto, a loba ao ser amparada pelos braços de Skor começou a lamber-lhe freneticamente a cara extasiada por ter a sua amiga de brincadeiras de volta aquela casa. Esperança tinha sido encontrada por caçadores, abandonada e a mercê dos elementos no meio da floresta ainda com poucas semanas de vida e foi carregada para a aldeia onde Unga decidiu a adoptar imediatamente. Skor ficou fascinada pela pequena loba e assistiu de perto à recuperação e crescimento da criatura, alimentando-a várias vezes quando mais ninguém se conseguia aproximar dela. Talvez fosse por já ter sido uma criatura como ela, mas havia uma ligação entre os dois seres que ninguém podia negar. Apesar de mesmo com essa ligação, a loba não se dignava a largar o lado de Unga o que ainda deixava Skor mais feliz.
Não satisfeita com as festas e outros mimos que Skor lhe dava, Esperança saiu do seu abraço e no chão de cauda a abanar começou a ladrar alegremente, como se puxasse a companheira para a brincadeira. Skor limitou-se a dar-lhe uma pequena palmada amigável no focinho e respondeu-lhe como se ela entendesse a linguagem humana.

- Agora não amiga, mais tarde vamos correr as duas por esta aldeia fora.

A cadela-lobo latiu mais uma vez e resignou-se de volta de onde tinha visto. Já nessa altura a porta da casa estava aberta e Unga olhava para Skor com um sorriso imenso por ver a sua amiga ali presente passado as atribulações que tinham surgido, o olhar cristalino de Skor mirou a troll com um sorriso tímido. Unga tinha crescido, já não tinha o ar infantil de outrora, estava mais madura e isso observava-se nos traços da sua cara. Tinha um olhar mais seguro a face parecia que tinha esticado, os seus cabelos ruivos continuavam com o mesmo esplendor, lisos e fortes deslizavam sobre os ombros envolta dos espinhos que deles saiam e caíam até à cintura. Tinha crescido e estava bem maior que Skor, que via a sua descendência de uma raça bem inferior em estatura em relação aos trolls. Mas o no seu olhar ainda era encontrada a doçura de outrora, aquela simpatia e amabilidade únicas que fez Skor enveredar pelo caminho que a levou a este momento.
Unga fechou os olhos e com a voz pejada de um carinho que sempre existiu entre estas duas criaturas comentou:

- Se eu não conhecesse a tua história, até estranhava a relação entre ti e essa loba.
- Não acredito que a Esperança sinta o cheiro do que eu uma vez fui. – Gracejou Skor.
- É bom ver-te outra vez.
- Agradece à Jorin. E é bom ver-te também... – respondeu Skor rapidamente, ficando de seguida em silencio como se envergonhada pelo que se tinha passado. – Desculpa, eu fui uma idiota.
- Não digas isso. – Respondeu Unga demonstrando uma voz saudosa. – Foi duro para todos nós.

Houve outra vez um pequeno silêncio entre as duas, não interrompendo o sorriso que trocavam até que Unga continuou.

- Eu tenho andado cheia de trabalho, seguir as passadas do meu pai não é coisa fácil. – Disse rindo-se para tentar desanuviar o tema. – Eu não tinha a noção do que era o seu trabalho.
- Ele surpreendeu-nos a todos. – O sorriso continuava estampado nas duas caras, mas o tema começava a pesar um pouco portanto Skor tentou evitar. – Desculpa não ter sido prestável nestes últimos dias, agora queria redimir-me.
- Não procures isso Skor, tu sabes que foste entendida, o povo adora-te e não esquece o que aconteceu. Ninguém te julga. Para alem do mais os rapazes estão ansiosos que tu voltes a dar-lhes lições. – Unga ergueu os braços numa ovação exagerada para tentar alegrar o espírito ainda não completamente sarado da sua amiga. – Serem treinados pela grande guerreira loba, a heroína do povo.

Skor gargalhou sonoramente e corou. Era verdade que os jovens, especialmente aqueles que ansiavam por uma oportunidade de servir como guardas quase a reverenciavam apesar de tudo o que se tinha passado. Apesar das vidas que ela tinha tirado, ainda era olhada como uma heroína. Era algo que ela não conseguia acreditar.

- É bom ouvir-te a rir. Vem, entra e vamos falar mais um bocado. Antes que comecem a acordar as minhas dores de cabeça.
- Não Unga. Agradeço, mas terá de ficar para outra altura Negou Skor respeitosamente. – Ainda tenho de dar umas voltas e ajudar alguma coisa em casa.
- Eu entendo amiga. – Unga levou o dedo aos lábios olhando para o céu num ara pensativo. – Diz-me só uma coisa, o que pretendes fazer aquelas armas que criaste?
– Não sei... nem lhes dei muita atenção depois de as criar.
– Então se não te importares gostaria de oferece-las como um presente aos pele-verde. – O olhar de Skor estreitou-se tentando entender a razão para tal coisa, mas rapidamente a troll explicou-se. – Eles são um povo bélico e prezam uma arma poderosa e bela acima de tudo, acho que aquelas armas trariam uma grande melhoria nas nossas relações se lhes fossem presenteadas. Sem esquecer que se mencionar por quem foram forjadas ainda mais valor terão.

Skor corou outra vez. Julgava que todos lhe davam crédito em demasia pelo que tinha feito. Apesar de a verdade ser que estas criaturas do sul tinham grande apresso pelo espírito guerreiro da “loba de guerra”, como a chamavam.

- Skor! É um prazer ver-te a sorrir outra vez. – Gritou Yarhan ao passar por perto, era um jovem pastor que tinha partilhado alguns momentos de calma com a guerreira.
- Desculpa-me Unga, mas tenho de ir. – Afirmou Skor enquanto saudava o troll.
- Eu sei e eu já ocupei demasiado do teu tempo.

As duas amigas despediram-se e separaram-se, voltando Unga para casa e Skor acompanhando o pastor pelo resto do caminho. Estes dois embrenharam-se em conversa enquanto orientavam o rebanho de cabras de Yarhan para os prados de relva a sul de Kandia.
Com a aldeia quase fora de vista a visão era magnifica, o céu limpo estendia-se eternamente com o sol dourado a brilhar num esplendor equiparável, os prados verdes sarapintados por flores amarelas e vermelhas onde as varias criaturas encontravam o seu banquete era apenas cortado pelo o rio de agua cristalina que cortava a planície em duas. Poucas árvores eram encontradas nestes prados, mas o suficiente para as duas criaturas encontrarem uma sombra onde descansarem e darem liberdade à conversa. Muitas vezes falavam sobre o que lhes rodeava, sobre as terras que Skor ainda não conhecia ou sobre a aventura que fascinava tanto Yarhan, sobre a Montanha da Lua e as quatro enigmáticas irmãs, tentando ajudar-se um ao outro a compreender um pouco mais do mundo. Em muitas coisas podiam discordar mas numa coisa o consenso era o mesmo, eram momentos bem passados em calma.
A manha já estava perto do fim quando foi avistada uma comoção ao fundo do horizonte, não passava de uma coluna de fumo na estrada até que se começou a ouvir o soar de tambores e enquanto Skor observava interrogada tentando discernir o que se aproximava, Yarhan já se encontrava com um brilho nos olhos em antecipação do que avizinhava.

segunda-feira, setembro 15, 2008

Saga da Lua

Uma Troll chamada Unga e uma guerreira chamada Skor.

/*
Ora bem, antes de começarmos quero esclarecer aqui dois pontos:
1º Nem imaginam a quantidade de comida de plastico brutalmente assassinada para acabar este post
2º Este post foi feito para ser lido com a banda sonora de: Symphony X, Ayreon, Lori Linstruth, ou Kiuas

Sem mais demoras... o post:
Enojy
*/

Vi a aldeia a movimentar-se à minha frente. Guardas amontoavam-se na entrada enquanto os ocupantes da aldeia escondiam-se nas suas casas. Com passos convictos eu avancei, a minha cabeça pendeu para a frente e com as duas mãos ergui a minha espada. Os trolls foram afastando-se um pouco conforme eu fazia o meu caminho. Olhei para eles com um sorriso na cara. Eram na maioria mancebos, não me parecia haver trolls acima dos 25 anos no grupo e todos eles estavam aterrorizados, não entendia porquê, o meu porte não era o de um guerreiro poderoso como alguns deles, no entanto continuavam a afastar-se. Foi-se abrindo um corredor entre os guardas por onde eu caminhava, sabia que mais tarde ou mais cedo eles iriam cair em cima de mim por isso não baixei a defesa. Estavam todos hesitantes, temiam-me e mesmo sem reconhecer as razões esse facto punha a minha adrenalina ao rubro. Eu sabia que estava em desvantagem, para alem disso encontrava-me cansada pois não tinha descansado desde que parti da montanha com a Kaly, as minhas mãos doíam-me devido a quando descarreguei a minha fúria numa árvore, no entanto sentia-me superior às dezenas que me rodeavam. Era uma sensação estranha, talvez fosse da adrenalina, mas eu via o seu futuro nas minhas mãos e um fio de sadismo fez-me soltar uma gargalhada. Os jovens guerreiros entreolharam-se assustados. Não os podia julgar pois eu devia estar a dar um ar de louca.
Após mais umas passadas o corredor parou de se abrir e começou a fechar-se. Estava completamente cercada de trolls, à distância estava um altar completamente preparado para uma cerimónia e Urnia esperava ao seu lado olhando para mim com ódio cravado na cara. Acho que ela sabia quem eu era, ao contrário de muitos dos outros. Olhei em volta e notei novamente que os que me rodeavam não eram os mais corajosos guerreiros Troll mas somente os mais novos que me faziam frentee não conseguia entender essa atitude. No meio do emaranhado de azul e metal reluzente consegui diferenciar uma cara. Thorg, aquele que se achava o par perfeito para Unga e agora que a vida dela estava ameaçada, nem um dedo movia para a salvar. Fechei os olhos por segundos sendo assolada por uma grande raiva. Cerrei os dentes e deixei escapar um grunhido antes de gritar.

- Thorg! – Apontei a espada para ele deixando-o algo surpreso.
- Co... Como sabes o meu nome? – Questionou ele assustado, obviamente não me reconhecia como o lobo que à dias ele próprio tinha expulso desta aldeia. Era algo normal.
- Cala-te e vem lutar comigo se tens coragem!
- O capitão da sacerdotisa Urnia luta com ninguém. – Retorquio um jovem troll, este já agarrava a sua arma mais convictamente.
- Para lutares com ele terás de passar por nós primeiro criatura maligna. – Gritou outro que se lançou rapidamente contra mim.

E assim começou, o guerreiro atacou-me com uma espada, mas o meu golpe superou o seu e a sua arma voou-lhe das mãos. Enraivecida e cega pelo desejo que me tinha trazido a este lugar apliquei um segundo golpe no troll, fazendo o sangue jorrar. Talvez devesse ter sido mais ponderada e controlada pois ao ver os olhos do jovem troll pejados de medo a olhar para alguma forma indefinida conforme a vida escapava do seu rosto, fui bombardeada por gritos de fúria vindos de todos os lados. Antes de sequer o primeiro troll que me atacou cair já outros dois saltavam para cima de mim, antes de conseguir trespassar o segundo, mais dois se juntavam à luta. A minha mente fechou-se num estado de transe onde apenas o choque do aço e os movimentos do corpo se sentiam. Lutava com um, desviava-me de outros dois enquanto tentava bloquear um quarto, tentando contudo na minha fuga não me lançar contra um aglomerado de armas que me esperavam. Era um emaranhado de golpes, faíscas e gritos, confuso para os olhos, nauseabundo para no nariz e irritante para os ouvidos. A minha mente cansou-se rapidamente e senti o meu corpo a entregar-se à luta fechando todos os sentidos dispensáveis. Senti o frenesim do sangue e aço a tomar conta de mim e dancei a terrível dança da morte, perfeitamente coreografada. Já não precisava de me desviar ou recuar, aqueles que me atacavam caíam com um golpe bem antes de outro me tentar golpear. Caíam mais rápido do que conseguiam chegar perto.
Trespassei um troll que percorreu toda a lâmina, fazendo-me sentir o cheiro do seu sangue, vi a sua face sem vida e lutei contra o seu peso a pender sem força própria. Afastei-o com o pé. O corpo caiu no chão com um ruído seco. A batalha tinha cessado, pelo menos por instantes, pois os trolls que estavam vivos encontravam-se apavorados demais para se aproximar. Eu estava coberta de feridas e cortes fazendo a dor latejar no meu corpo, respirava ofegantemente e as minhas pernas tremiam em diversos instantes. O sangue pingava abundantemente da minha lâmina. A sua cor tinha-se banhado de carmim que combinava com a cor dos rubis que adornavam os olhos dos lobos, ainda esfomeados por carne e sangue. Eu mantinha um sorriso leve no rosto quando comecei a avançar lentamente e de espada erguida por entre os corpos. Fechei os meus punhos firmemente em volta da espada, pois na distância consegui ver algo que me fortaleceu a determinação. Era Unga, sendo arrastada por dois trolls em vestimentas estranhas em direcção de Urnia, essa estava ajoelhada em frente a um altar, rezando numa língua desconhecida para mim, preparando-se para a continuação do ritual. Ao seu lado estava uma troll que afiava de forma cerimoniosa uma pequena navalha. Não demorou a ser pintado o quadro na minha cabeça e estremeci ao entende-o.
Vendo a minha distracção Thorg procurou um ataque rápido e eficaz que por sorte consegui bloquear. O seu machado embateu na minha arma com uma força tremenda e só por pouco não perdi o equilíbrio. Ele fez outra investida rápida que consegui bloquear outra vez, mas mais debilmente pois juntamente com as feridas no meu corpo, o impacto do seu primeiro ataque deixara os meus braços fragilizados.
Em nossa volta ouvia gritos de apoio ao capitão, mas os meus olhos distraíram-se outra vez nas acções de Urnia que já tinha acabado a sua reza e agora estava erguida perante Unga que tinha sido colocada no altar.
Thorg investiu outra vez fazendo-me levantar a espada em defesa, mas desta vez prevendo a força do seu golpe deixei a lâmina do seu machado receber pouca resistência e deslizar pela minha espada fazendo-o perder o equilíbrio. Vi a faca a ser entregue a Urnia e erguida no ar. Com uma reacção rápida larguei o cabo da espada com uma das mãos e de punho fechado bati violentamente na face de Thorg, projectando-o para o chão. Comecei a correr em direcção ao altar mas tendo de parar pois inspirados pelo seu capitão os guardas voltaram a fazer-me frente. Na minha raiva e adrenalina derrubei-os rapidamente sofrendo ferimentos que apesar de mais fundos que simples arranhões não me fizeram parar. Ao retomar a corrida, o meu sangue gelou no momento que a navalha começara a descer sobre o peito de Unga. Antes de a minha garganta soltar um grito de terror, vi algo que pareceu uma intervenção dos Deuses. A mão enrugada de Yorgsh parara a sedenta de sangue de Urnia. Agradeci a todos os Deuses que pudessem existir pela presença do ancião naquele momento em que Urnia quedou-se olhando para Yorgsh com cara pejada de ódio, enquanto que ele retribui-a a esse olhar com uma cara serena. Aquela cena pareceu-me um confronto entre titans de forças opostas que eclipsava tudo o resto.

- Seu velho insolente, o que pensas que estar a fazer?
- Algo que já deveria ter feito à muito tempo Urnia!
- Tu estás débil, já não tens forças para te levantar quanto mais liderar!.
- E tu Urnia? Nunca esperei que a minha amada mulher fosse fraca o suficiente para cair sob o encanto do Jotun. Distorceste as palavras dos oráculos e criaste a tua própria verdade. Verdade essa que alimentaste às pobres almas jovens que jorraram sangue e a sua vida por ti! Por essa verdade que fabricaste!

Ouvi um rugido vindo de trás de mim. Num reflexo rápido, brandi a minha espada velozmente atingindo Thorg que se lançava novamente a mim no peito. Atingido pela surpresa do golpe, Thorg agarrou-se à sua ferida, tossindo sangue antes de cair no chão. Voltei a olhar para Urnia que nesse exacto momento derrubou Yorgsh. O meu tempo era escaco, portanto lancei-me novamente numa corrida desenfreada. Urnia ergueu novamente o punhal com as duas mãos e gritou,

- Este será o fim do tormento! O sangue purificará, o sangue alimentará! Eu serei uma Deu…

Antes de terminar a frase eu trespassei as suas costas empalando-a na minha espada. Cravei-a bem fundo nas suas costas vendo a extremidade a irromper pelo ventre. Senti uma vontade imensa de gritar de raiva, mas não consegui, a minha expressão manteve-se estática e firme. O sangue escorria abundantemente pelas minhas mãos e o momento parecia prolongar-se infinitamente, assim como o ultimo momento de Urnia.
Perdi as forças para segurar a lâmina e deixei-a pender para baixo. O corpo de Urnia deslizou pela lâmina em sentido oposto caindo inanimado no chão envolto em sangue. Segundos depois um grande vulto negro ergueu-se do corpo de Unga, sem expressões ou forma definida e soltou um enorme grito antes de esvoaçar pela aldeia e desaparecer para alem da orla da floresta. Larguei a espada e desloquei-me até ao altar. Perdendo sangue e com a visão turva com um cansaço extremo pequei na Unga e abracei-a fortemente contra mim. Consegui sentir o meu coração a acalmar, toda aquela raiva e fúria a desvanecer, encostei a minha face à de Unga e suspirei.

- Já acabou… já acabou.

Tudo ficou negro e desmaiei.

-------

Acordei com as feridas quase todas saradas e as mais graves a serem tratadas por um troll e pela sua filha. Reconheci a filha como a rapariga que tinha afiado o punhal a Urnia. Antes que pudesse ter dito algo num apelo de fúria, a rapariga agarrou na minha mão e pediu mil desculpas. O seu olhar baço estava cravado na minha cara repleto de lágrimas, era cega. Mais tarde o seu pai explicou-me que tinha acontecido o mesmo com a maioria dos jovens da aldeia. Foram contra os pais e rebelaram-se contra as tradições, seguindo cegamente Urnia. Contra todos os avisos formaram a guarda de Urnia que os mais velhos julgavam que mais tarde seria tornado num exército de invasão. O descontentamento em relação a Urnia tinha crescido imensamente na população adulta, mas os jovens olhavam para ela como uma Deusa e um exemplo.
Foi-me também explicado que tinha sido profetizado à muito que um grande mal iria assolar a tribo e que só alguém que não seria parte deles conseguiria livrar esse mal. Esse alguém era eu.
Mais tarde quando comecei a recuperar das feridas mais severas, troquei a minha roupa com as minha antiga pele por um vestido simples, Jorin, a filha do curandeiro que tinha tratado de mim ajudou-me a percorrer a aldeia, visto que era cega eu estava a ser os seus olhos enquanto ela me ajudava a caminhar. Muitos adultos vieram ter comigo pedir-me desculpas, incluindo aqueles cujos filhos eu tinha morto, senti-me terrível e pedi imensas desculpas a todos apesar de não terem sido aceites. Diziam que o favor que eu tinha prestado nunca poderia ser pago e que os seus filhos tinham feito a escolha deles.
Conforme os dias foram passando, consegui aventurar-me fora da cama sem a ajuda de Jorin, mas não dispensei a sua companhia, era uma rapariga tímida e divertida que ansiava descobrir coisas novas, mas a sua condição não a permitia. Portanto ajudava-a a entender as coisas fora da segurança da sua casa que já conhecia como a palma da mão e fazia-a aventurar-se cada vez mais longe.
Um dia mais tarde, Taril, pai de Jorin, recebeu a presença de Yorgsh em sua casa. Após vários dias sabendo pouco sobre quem me tinha acolhido quando era apenas uma criatura selvagem, senti-me feliz por Yorgsh me ter procurado. Passamos umas quantas horas a comentar e a debater o sucedido com algumas intervenções surpreendentemente inteligentes de Jorin até que Yorgsh finalmente tocou no assunto. Unga tinha acordado e já estava saudável o suficiente para receber visitas.
Yorgsh viu a felicidade na minha face e ambos fomos para sua casa o mais rápido que o ancião podia. No meio da minha alegria não vi o pior problema que poderia surgir e que cravou mim pior do que qualquer lâmina. Unga estava ainda acamada, mas já se sentava, as feridas na cara quase tinham desaparecido e já parecia bem revitalizada, mas ao ver-me Unga mostrou um olhar interrogativo e confuso.

- Quem é? – Perguntou ela num tom inocente.
- Ela é quem nos salvou Unga, ela foi quem te salvou, o nome dela é Skor.
- Skor? – Questionou-se incrédula. – Não! Não pode! Skor é o meu lobinho!

Não consegui responder, a minha cara certamente estava marcada de dor, senti as lágrimas a correr pela minha cara e pedindo desculpas abandonei a casa de Yorgsh. Num andar rápido. Voltei para a casa de Taril e desculpando-me como indisposta tranquei-me no quarto. Lá tinha um espelho feito de bronze polido. Levantei-me e olhei-me nele. Tinha lágrimas a percorrer-me os olhos azuis como o céu e a cara de tom pálido ainda marcada de algumas cicatrizes.
Cai na cama. Ela não me reconhecia, mas também tinha razões. A mudança que Xana me proporcionara fora boa para atingir os meus objectivos, mas agora, tudo caía.
Jorin entrou pelo meu quarto dentro ao ouvir-me chorar, aproximou-se com cuidado para não tropeçar em nada e sentou-se ao meu lado. Falamos pois eu pensei que ajudaria, mas a tristeza nunca me largou. Ela confortou-me, disse-me que as coisas iriam ficar melhores, mas eu simplesmente não acreditei, pedi-lhe que me deixasse sozinha e dormi.
Os próximos dias passaram-se lentamente. Yorgsh tinha-me convidado a voltar para a sua casa mas recusei, por razões óbvias. A minha tristeza era evidente, mas não parei de ajudar. Quer fosse a fazer recados para Taril, ou ajudar Gan na forja, pois era algo para que tinha jeito e me acabava por acalmar. Jorin tinha-se mantido comigo a maioria do tempo, mas agora começava a deambular um pouco mais sozinha. O seu sentido de orientação começava a fascinar-me. Ganhei como habito ir para um monte perto da aldeia e deitar-me sob a relva e olhar para a lua, acompanhando o seu ciclo pelo céu.
Um dia quando o dia acabara o trabalho, deixei Jorin em casa e desloquei-me para o tal monte. Fechei os olhos e deixei o ar fresco da noite de lua nova embalar-me.

- É um bom sítio. – Disse uma voz que eu não esperava ouvir e pensando ser alucinação da minha mente mantive-me em silencio. – Não sei se queres que te faça companhia, especialmente depois da minha atitude.

Mantive-me em silêncio e de olhos fechados, se fosse uma alucinação, preferia não quebrar o encanto.

- Desculpa-me, eu devia ter sido mais razoável, devia ter entendido! Passaste por tanto.
- Tu também Unga. – Respondi eu. Até agora notei o quanto a minha voz tinha mudado. Sentei-me e olhei para ela. Ela respondeu com um sorriso. – Passamos ambos por tanto, no entanto, não posso julgar as tuas atitudes. Já olhaste bem para mim? Estou… estou tão diferente.
- Eu sei. – Ao dizer isso ela sentou-se ao meu lado, os seus olhos não largavam os meus, era uma sensação estranha. – No entanto, a mudança pode não ser para o mal, não importa do que aconteça.

Com essas palavras ela abraçou-me. Eu não resisti e abracei-a em resposta. Senti-me outra vez o lobo nos seus braços e o meu coração disparou. Havia tanto para falar, mas nada dissemos. Mantivemos-nos em silêncio. Com a lua nova a sorrir como uma criança por cima de nós.

Fim.

/*
quando eu digo fim, é fim mesmo, a Saga terminou. Finito.
Há questões que não foram resolvidas?
Isso talvez virá noutra historia... esperemos para ver, visto que o poster é louco e anda a a meter comments de java script nisto
*\

P.s.: não, a Skora não scorou com a Unga!!

domingo, setembro 14, 2008

Saga da Lua

Guerreira Lobo


Subi até ao ramo de onde Kandia pendia e gentilmente fi-la descer até ao chão onde a Kaly a agarrou suavemente nos seus braços. Enquanto voltei a descer a Kaly removeu a corda em volta do pescoço e abraçou-se a ela com força. Não me pronunciei, eu tinha uma ligação com Kandia, mas não seria tão forte como a que Kaly possuía.
Ela não chorava, só se mantinha de olhos fechados agarrada à amiga, como se tivesse medo que ela a abandonasse. Mas Kandia já tinha partido, e não podia ser feito nada. Fechei os olhos tentando manter-me senhora dos meus sentimentos, não queria voltar a deixar a tristeza ou a raiva tomar conta de mim pois ainda tinha trabalho a ser acabado, a minha mão precisava de se manter firme e para me distrair decidi começar a cavar. Cavei em silêncio com as minhas próprias mãos na terra húmida da floresta. Ainda não tinha reparado, que as minhas mãos não estavam feitas para trabalho, eram pequenas, com dedos delicados e suaves. Parei por um pouco e esfreguei-as tentando entender como tais mãos conseguiam agarrar uma espada colossal como aquela, com tanta firmeza. Abanei a cabeça, afastando os pensamentos que me percorriam a mente e concentrei-me a cavar.

----

Pouco passava da alvorada na aldeia de Yorgsh e a confusão já estava instalada. Um dos guardas de Urnia tinha voltado de uma missão incutida pela sua líder, o único sobrevivente de uma equipa de três.
Desde a estranha partida do lobo, as coisas tinham mudado nessa aldeia. Urnia tinha tomado controlo do povoado e criado uma guarda privada, sob o pretexto que Yorgsh estava demasiado afectado pelos últimos acontecimentos, precisando de repouso e que a aldeia já não estava segura, precisando de treinar melhor os seus jovens Trolls nas artes de guerra. Apesar de um pouco descontentes com a mudança repentina, os habitantes da aldeia não questionavam a sua líder e os acontecimentos desta madrugada apenas reforçavam a ideia de Urnia.
A líder estava perto da entrada com uma pequena multidão. O seu guarda encontrava-se com os joelhos no chão e aos seus pés as cabeças decepadas dos seus dois companheiros. Ele termia compulsivamente e um burburinho crescia na população assustada e horrorizada. Urnia olhava para as duas cabeças sem vida com uma mão sobre a boca, com os olhos abertos em choque.

- O que se passou? – Questionou ela. – Quem fez isso?

- O seu nome é Skor. – Disse o Guarda tremendo.

- Skor? Como é que aquele lobo podia ter feito isso?

O guarda saltou com essas palavras e com os olhos repletos de terror continuou.

- Não era um lobo! Era um demónio! Matou Lancio e Tarvo com um golpe cada um. Eles nem tiveram tempo de responder. – O guarda abraçou-se a si próprio e olhou para o chão tremendo. – Era um demónio branco, erguia-se nas pernas como nós, tinha a pele branca como a neve, os seus olhos eram grandes, azuis, gelados como o pior dos invernos e a sua forma é uma mentira, ilude-nos de fraqueza mas na realidade possui uma força monstruosa! Não podemos fazer nada! Estamos condenados.

Urnia fechou os olhos, ao ouvir a população preocupada e amedrontada. As coisas não estavam a correr bem, este novo perigo era inesperado. Ao livrar-se do lobo ela pensou que poderia descansar sem perigos mas com este novo aparecimento ela encontrava-se numa situação que não saberia lidar. Calmamente ela juntou alento e dirigiu-se ao sou povo com palavras de coragem. Pediu coragem e esperança, lembrou que o seu povo tinha passado por vários desafios e tinha-os conquistado todos e a história repetir-se-ia. Convocou mais guerreiros, mais Trolls para a guarda da aldeia e prometeu que o mal que assombrava a aldeia seria banido de uma vez por todas. Essa última promessa significava o fim de Unga.
-----

As chamas amansaram e a campa estava feita. Ergui-me e esfreguei a testa, limpado o suor. Estava cansada e devia estar cheia de terra, começava a achar os meus cabelos grandes demais pois muitas vezes se meteram á minha frente e as suas pontas estavam todas sujas da terra. Sai do buraco que tinha escavado e olhei de volta para a Kaly. Ela olhava para mim com um sorriso triste e com os braços ainda envolvendo Kandia. Levantou-se e carregou a Kandia até a campa improvisada criada por mim, onde a deitou. Ajoelhou-se e começou a emitir um estranho gemido parecido com um riso.

- Sabes o que é a coisa mais frustrante disto tudo? – Questionou ela. – Eu estou triste, uma grande amiga morreu. No entanto não consigo chorar, simplesmente não consigo.

Coloquei-lhe a mão no ombro. Como conforto, mas não tinha palavras para dizer, eu estava tão desolada, mas ao menos já tinha deixado a minha raiva e tristeza sair, ao contrário de Kaly que não conseguia soltar os seus sentimentos. Enterramos juntas a Kandia enquanto que o rapaz do “bring” permanecia estático sem fazer qualquer som. Lentamente Kandia foi coberta de terra. Kaly fez um pequeno e crude arranjo de flores que colocou em cima da sua campa sorriu como despedida e depois levantou-se.

- Eu vou partir. – Avisou-me ela.

- Vais?

- Sim. Eu prometi-lhe ajudar-te e assim o fiz. Agora tenho de seguir o meu caminho.

- Eu entendo. – Respondi-lhe sentido o pesar e tristeza na sua voz.

- Mas foi bom conhecer-te. Para alem do mais, se não te tivesse conhecido nunca me teria despedido dela.

Mantive-me em silêncio com um sorriso complacente. Continuava a não conseguir dizer nada, não tinha força para tal e nada do que pudesse dizer traria Kandia de volta.

- Promete-me só uma coisa. – Continuou ela com um ar mais sério.

- O que é?

- Vinga-la.

- A minha missão levar-me-á por esse caminho Kaly, não precisas de te preocupar com isso.

Sem trocarmos mais alguma palavra a Kaly abandonou o local. Sem ela eu perdi o controlo e cai de joelhos. Levei as mãos ao chão com medo de perder o meu equilíbrio. Tinha um sorriso estampado na cara mas o meu interior estava praticamente o inverso. A Kandia estava morta e eu não conseguia parar de pensar que a culpa teria sido minha. Grizaldo e Brot também estavam perdidos e era tudo minha culpa, tanto sofrimento e eu não entendia porquê. Não entendia nada, não me lembrava de nada, a minha única personalidade era aquela que Unga me tinha dado no momento em que nos encontramos, eu não era ninguém! Respirei fundo e gemi por entre dentes cerrados. Não estava certo, nada disto, toda a gente tinha uma opinião, toda a gente tinha um objectivo e eu era simplesmente puxada de um lado para o outro ao desejo de qualquer outra pessoa. Respirei fundo outra vez. A tristeza transformou-se rapidamente em desespero e o desespero em raiva.
Levantei-me abruptamente. Desloquei-me até à árvore mais próxima e com um grito enfurecido comecei a esmurrei-a violentamente até sentir a minha pele a romper. Ofegante e com as mãos a pingar sangue não resisti em dar uma cabeçada violenta contra a arvore berrando terrivelmente.

- Unga… – suspirei

Lembrei-me outra vez do seu rosto. Era por ela que eu fazia isto, não podia desesperar, não enquanto ela estivesse a sofrer. Ela era a minha razão, fazia isto por ela e não me importava quem me manipulava pelo caminho, desde que conseguisse fazer com que ela ficasse bem.
Encostei-me à árvore e respirei fundo. Olhei em frente para a clareira que já me acolhera três vezes. Não o podia negar, muito mudou desde que entrei neste mundo, apesar de parecer ter passado um curto espaço de tempo e nada tinha sido bom. Olhei para a minha espada cravada no chão, ainda não tocar nela desde que enterramos a Kandia, por um lado tinha medo de lhe voltar a tocar, a raiva e fúria que sentia quando a tinha na minha mão era um monstro terrível dentro de mim, no entanto, precisava dela para cumprir a minha missão e não podia esconder que a achava irresistível, como se cantasse um chamamento sinistro sobre mim.
Lembrei-me que não estava sozinha, olhei para o rapaz que Kandia tinha criado para me acompanhar. Ele continuava estático a olhar para o nada, com um olhar vidrado, sem qualquer emoção, sinal de pensamento ou vida.

- Hey!

Tentei chama-lo à atenção. Passava-se claramente algo de errado com ele, nem o seu som característico fazia. Aproximei-me dele lentamente tentando comunicar com ele, mas sem sucesso, até que quando lhe toquei ele desfez-se em pó. Dei um salto para trás e deixei escapar um pequeno grito de susto, não foi algo que estava à espera.

- Chegaste… – Falou uma voz que provinha por deras de mim.

O conjunto de eventos tinha me deixado assustadiça, portanto ao ouvir a vós dei outro salto e outro pequeno grito virando-me rapidamente para trás. Ao olhar para quem falava comigo cai no chão com os olhos esbugalhados. Perante mim estava o que parecia ser uma forma espectral de Kandia. Ela olhava com uma expressão severa, mas não tive medo, para alem do choque que recebera, a sua presença dava-me alento.

- Tu sabes o que tens de fazer. – Disse-me com um sorrizo.

- Kandia, tu… - Gaguejei, não conseguindo acabar a frase.

- Sim, estou morta. O meu pequeno golem carregava um resto da minha força vital e é por isso que estamos a ter esta conversa. – Ela fechou os olhos e fez um movimento como se inspirasse antes de declamar. – Apesar do meu corpo já não se suster, a minha curiosidade necessita de ser saciada. Descobriste o que querias?

- Não, acabei por ficar com mais questões. – Pronunciei-me por entre gaguejos. – E como sabes quem eu sou?

- Sempre soube Skor, mesmo quando não passavas de um lobo eu vi o teu destino. O que é traçado nas estrelas nunca conseguirei desvendar, mas o que foi escrito eu consigo ler. Tu és o ser que veio limpar o antigo mal das nossas terras. – Ela fez um breve silencio antes de prosseguir. Eu continuava mortificada no chão. – Confidenciei com Urnia o que descobri nas minhas conjurações. Foi um grande erro. O tempo passou e ela foi ficando mais hostil, tentou manipular o futuro para seu próprio proveito. Especialmente quanto eu mencionei que para o bem de todos iriam ser feitos sacrifícios. Os filhos foram os dela e for ai que se mostrou realmente que fazia parte dela o nosso grande mal. E agora ela planeia acabar com a vida da sua única descendente, coitada, não por sua vontade mas pela escuridão que tomou conta dela agarrando-se à sua angústia. Tu sabes o que tens de fazer. Vai.

- Obrigado Kandia. – Disse, não sabendo porque razão agradecia, mas sentindo mais apaziguada. – Obrigado por tudo.

Levantei-me e peguei na minha espada. Sorri para Kandia, ela respondeu-me também com um sorriso e a sua essência desvaneceu no ar. Sozinha na clareira, observei a lâmina com um sorriso na cara, a minha mente estava calma e aliviada. Só restava fazer uma coisa.

Confiante e convicta, corri pela floresta com uma velocidade estonteante. Só pensava em chegar à aldeia e acabar isto, não parei por nada nem ninguém. Lentamente, as árvores começaram a ficar menos densas até que finalmente sai da floresta perante mim estava a aldeia dos trolls, movimentada para algum ritual que estava a decorrer. A guarda estava reforçada desde a última vez que estive aqui. Mas nada disso tirou-me o ânimo. Levantei a minha espada bem alto acima da minha cabeça e gritei como nunca antes gritei. Um grito de vitória bem antes da batalha começar. A aldeia estremeceu. Não estavam prontos para a fúria que estava prestes a vir.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Saga da Lua

Guerreira Lobo

As expressões no espelho continuavam a ser-me estranhas, mas cada vez mais me familiarizava com elas. Eu ia passando o cabelo de um lado para o outro, tocando no meu rosto e sentido as minhas próprias mãos. Tudo aquilo era demasiado estranho para mim, ainda á poucas horas era um lobo e agora era humana, a sensação de mudança era incrível e algo confusa, as minhas pernas tremiam e os movimentos eram desajeitados, ainda não me habituara. Enquanto eu tentava entender esta nova forma de ser, a Xana, já aborrecida com a minha lentidão a interiorizar o meu novo estado, soprava incessantemente a franja que acabava sempre por voltar ao mesmo local.

- E agora? – Perguntei eu enquanto fazia sombras de animais com as mãos.

- Agora fazes o coelho. Precisas de esticar o do meio e o indicador para fazer as orelhas…

- Não, não é isso. – Interrompi. – Quero saber o que faço agora, em relação aos Trolls. Para alem do mais, o coelho já fiz.

- Ah, esses! Pois, tinha-me esquecido que tu fizeste tudo isso por causa deles… ou melhor… dela. – Ela deu uma gargalhada trocista fazendo-me cerrar os punhos com raiva.

- Cala-te.

- Oh não, não me leves a mal claro, é que, dantes pelo menos eram de sexos opostos, agora nem isso, já não chega o problemazinho da raça! – Continuou ela por entre um rizo de escárnio.

- Cala-te! – Gritei já com os olhos baixos e com a raiva a queimar as minhas veias.

- Tu não sabes a sorte que tens… - afirmou Xana acabando por controlar os risos. – Se fosse por mim, já tinhas um cristal de gelo no teu coração. E jazias morta por tamanha insolência. Mas as minhas irmãs iriam acabar comigo caso isso acontecesse.

- Eu não seria morta por alguém como tu! – Rosnei, virando-me depois para ela e continuando. – Eu tenho uma missão! Eu vou salvar a Unga!

Este ultimo grito trespassou a minha mente e a realidade, a fúria que eu senti congelou-me mais do que o frio do coração da mulher que estava perante mim. Aquele sentimento, aquela sede, eu estava com medo de mim mesma, era uma raiva que eu não tinha controlo, que se movia dentro de mim insaciável e voraz, ansiando por ser liberta, após vários anos de hibernação. A Xana viu a minha expressão de espanto e sorriu, esse sorriso tornou-se num pequeno riso, e esse riso transformou-se em gargalhadas. Enquanto ela se ria começou a elevar-se, a flutuar dentro da caverna até se estacar a meia altura. Olhou para mim com o seu sorriso cristalino e repleto de loucura, os seus olhos azuis tinham-se transformado em vigorosas chamas dessa mesma cor, e o seu cabelo ondulava descontroladamente como se fosse fogo.

- Agora entendeste. Acorda conquistadora! O teu caminho ainda está para ser feito com o sangue dos teus inimigos. – Ela ergueu a cabeça e os braços perante o meu olhar esgazeado. – É a hora! O caminho a percorrer está aos teus pés! Deixa esse sentimento ser o teu guia e goza de todo o momento de prazer por ele oferecido.

Com o discurso finalizado ela irrompeu em risos e a sua forma foi ficando mais espectral até que com um rizo prolongado a sua forma lança-se contra o tecto perfurando-o e desaparecendo. Segundos depois o tecto tremeu e um grande bloco de gelo caiu no chão rachando-se em dois. Os meus olhos abriram em espanto quando me deparei com o que se encontrava perante mim. Dentro do cristal de gelo que se quebrou estava uma espada, cabo negro e trabalhado com rigoroso detalhe, com duas cabeças de lobo, cada uma virada para o seu lado, rosnando ferozmente, os olhos dos lobos eram rubis e entre os dois tinha outro maior e em forma de sol. A lamina, em que metade estava enterrada no gelo era prateada e cintilava com um brilho fenomenal, parecia acabada de ser forjada por alguém perito na profissão, não tinha um único erro na lamina perfeitamente afiada. Senti o meu coração pulsar mais fortemente ao vê-la ali quieta como se fosse oferecida a mim. Avancei com passos incertos e com um sorriso crescente na cara sem conseguir afastar o pensamento da cabeça. “foi feita para mim”. Quando reparei já tinha a minha mão a agarrar no cabo, sentia-me em transe, como se algo tivesse a tomar conta de mim. Sem muita dificuldade retirei a espada do gelo e erguendo-a sorri ao observar a sua majestosa imponência.

Chamei pela Xana, mas ela não me respondeu, pareceu-me já não estar na sala, no entanto o vento trouxe a sua voz, sedutora e melosa. “Deixa que o destino conduza a tua mão.”

Caminhei para fora da caverna, não sabia quanto tempo se passara desde que a Xana me tinha mantido ali, nem sabia qual era o destino de Kaly e o rapaz dos brings. Saí da caverna com o sol a queimar-me os olhos, temi que a minha estadia ali tivesse sido longa demais, ainda por cima não havia sinal dos dois que me acompanhavam. Suspirei e sentei-me na entrada da caverna com a espada encostada a mim, enquanto tentava habituar-me à luz do sol. Olhei para o céu sarapintado de nuvens escuras e pensei em tudo o que me tinha acontecido. Desde que cheguei de memoria apagada, até ao encontrar a Unga e a minha estadia com os trolls e os eventos que tinham levado a esta demanda forçada. Recordei-me da Unga, da última vez que a vi e da tristeza nos seus olhos e a dor que sentia. Não consegui resistir às sensações e chorei, era injusto causar tanta dor sem razão, porque Urnia não teve nenhuma razão para o fazer, para alem de um louco desejo que eu desconhecia completamente, Yorgsh avisou-me que não era a sua mulher, que era algo que a controlava mas nada disso interessava, eu só a queria ver morta. Senti raiva de mim ao ter esses pensamentos, mas não conseguia controlar-me, só queria ver a Unga de novo a sorrir, sem medo e queria fazer quem lhe fez tanto mal pagar.

Envolta em choro gritei do fundo dos meus pulmões como um uivo que enquanto fui animal nunca o consegui dar. Após esse grito, a tristeza e o medo evaporaram-se. Peguei na espada com convicção e caminhe dali para fora. Mas após começara descer a montanha deparei-me com um pequeno acampamento em que estava Kaly a olhar para mim com ar de espanto e o rapaz, amordaçado, com os braços e as pernas amarrados, pendia de cabeça para baixo num tronco de uma arvore. Eu aproximei-me cuidadosamente, pois reparei que Kaly debatia para entender a minha presença ali. Mordi o lábio inferior com um sorriso tímido e olhos ainda vermelhos do choro, já me tinha visto ao espelho mas não sabia como outras pessoas me veriam e nem esperei que Kaly entendesse mas ela acabou por questionar gaguejando.

- Lobo?

- Sim… quer dizer… não propriamente agora um lobo mas…

- O que é que aconteceu? – Continuou ela, que assava qualquer coisa na fogueira.

- Não sei, simplesmente… adormeci e quando acordei estava assim. – Olhei para o rapaz que olhava para mim com um ar feliz, mesmo pendendo da árvore e com aquelas restrições todas.

- Ah, não ligues a ele. Depois de ter sido mandada para fora da caverna, quando tentei entrar vi que havia uma parede de gelo no caminho. Não consegui escavar por ela, portanto voltei para trás e montei o acampamento. Entretanto essa criatura acordou e não parou com aquele barulho infernal, portanto decidi enfia-lo ali. – Ela tirou o que assava do fogo, que não passava de uma maçã e mordiscou um pouco. – Não te preocupes, cheguei à conclusão que ele não precisa de comer, respirar ou outras necessidades físicas que nós possuímos. Já agora… não tens fome?

Kaly mostrou alguma comida que tinha guardado desde que desapareci e então uma fome aterradora apoderou-se de mim. Comi até me fartar, contando a Kaly todos os detalhes do que aconteceu que ela devorou interessadíssima, enquanto de vez enquanto ia batendo com o pau onde assara a maçã no rapaz. Fiquei a saber que Kaly tinha aquele aspecto estranho pois não era uma criatura normal. Ela tinha morrido e Kandia que era sua amiga, pois ambas eram feiticeiras e tinham-se conhecido à anos nas reuniões de Feitiços & Tuperwares, fez-lhe um ultimo favor. Dar-lhe uma hipótese de vingar. Portanto aquele corpo não era dela, pelo menos só dela, era uma mistura entro o seu corpo e algo que existia para alem deste mundo. Conversa metafísica que a mim não tinha muito interesse, mas gostei de saber um pouco mais sobre a minha companhia.

Mais tarde decidimos voltar para a cabana de Kandia. Após soltarmos o rapaz, mas a pedido de Kaly mantendo-o amordaçado, caminhamos calmamente pela floresta em direcção ao lago, com uma conversa amena. Estava a conseguir afastar todos aqueles sentimentos venenosos da cabeça e a sentir-me satisfeita por isso apesar de não ter durado muito tempo.

O cheiro a queimado já me tinha entrado nas narinas bem antes de chegarmos à clareira. Pensei ser um fogo florestal qualquer, mas nunca esperei ver tal coisa. Quedei-me em silêncio quando observei o espectáculo macabro perante os meus olhos. A casa de Kandia ardia e cá fora três trolls estavam de guarda, observando as chamas mas o pior pormenor, trouxe tudo de volta, engoli a seco quando vislumbrei por cima das suas cabeças, numa das arvores centenárias que preenchiam aquele recanto da floresta, Kandia pendia de olhos fechados e expressão serena com uma corda à volta do pescoço. Eu não gritei, eu não afastei a cara em horror, eu não senti, eu não chorei. No entanto dentro de mim, aquela raiva voraz acordou outra vez. Mordi o lábio inferior e termi até sentir o sabor a sangue. Um dos trolls viu-me e fez sinal aos seus companheiros que se meteram em posições de defesa. Foi a gota de água. Ignorei qualquer tipo de dor e lancei-me para cima de um dos trolls que tentou defender-se com a sua lança. A espada trespassou lança, pele, músculos e osso. O sangue quente salpicou a minha cara e eu não consegui conter uma gargalhada, termia com antecipação do próximo que me atacasse. Assim que o vi a avançar a espada dançou nas minhas mãos e ele acabou cortado em dois. Olhei para o que sobrava com um sorriso vitorioso, a espada termia nas minhas mãos, ela queria mais sangue, eu queria mais sangue. A minha fúria gritava por ele, pedia-o e queria ser saciada. O ultimo troll apavorado largou a sua arma e começou a fugir. Eu cravei a espada no chão e corri em direcção a ele. Sentia-me um animal, pior do que alguma vez me senti enquanto lobo. Rapidamente alcancei o troll e saltei para cima dele, os meus punhos fechados embateram vezes sem conta na sua cara até me sentir satisfeita sem o pôr inconsciente. Levantei-o e abanei-o.

- Quem te enviou? – Ele não respondeu por isso soquei-o outra vez gritando de seguida. – Quem te enviou?

- F.. Foi… a Urnia.

Sorri-lhe com uma raiva a trespassar-me o corpo, mas a vida dele tornou-se insignificante para esta fome, portanto decidi ser criativa. Arrastei-o para perto dos seus companheiros mortos. Decapitei ambos e envolvi a as cabeças num trapo que encontrei por ali. Entreguei-as ao troll e disse-lhe ao ouvido com um sussurro louco.

- Leva-os para a Urnia… diz-lhe que a Skor manda-lhe comprimentos.

Após isso empurrei o troll que se pôs a correr desenfreadamente. Suspirei e assim que ele desapareceu, sem queixume deixei as lágrimas escorrerem. Kaly olhava para mim surpresa e assustada, mas foi algo que decidi ignorar. Kandia precisava de ser honrada.

domingo, agosto 24, 2008

L

Os passos ofegantes ouviam-se pelo meio da chuva que caia durante a noite, uma figura sinistra coberta de negro corria pela floresta. As roupas começavam a pesar-lhe e ele temia que o objecto que ele tentava salvaguardar não ficasse tão… salvaguardado.

Pelo breu da noite ele conseguiu observar a luz roxa da tocha que sinalizava o ponto de encontro.

Ao chegar perto da tocha verificou que se encontrava perto de uma caverna que estava com luz. “Já está lá gente” pensou ele apressando o passo até irromper da penumbra para a luz ofuscante da caverna. Na parede oposta á entrada estava um enorme LCD passando episódios das “donas de jardins algo alegres”, no centro da caverna encontrava-se uma mesa com vários indivíduos a discutirem e a jogarem ao peixinho. Ele avançou despindo o casaco negro pesado pela água, pegou no saco, que protegeu com tanto zelo da chuva e de outras criaturas menos agradáveis que se atravessaram no seu caminho, e com a respiração ofegante do cansaço e de achar a ruiva do LCD algo agradável colocou-o em cima da mesa causando um arrepiante silencio na caverna. As pessoas que estavam á volta da mesa entreolharam-se. Um deles pegou no saco, abriu-o e deixou cair o seu conteúdo dentro de uma taça e disse.

Neo: estava complicado de chegares aqui.
Varg: tivemos problemas, esquilos, e guaxinins.

O Varg pega numa caveira que guardava num dos bolsos do seu casaco e coloca-a em cima da mesa. A caveira começa a emitir uma luz amarelada e uma voz feminina emana dela.

Cass: mais um dia fechada aqui e obrigada a andar nos teus bolsos e eu mato-te!!
Varg: mantêm o volume baixo, pelo menos não apanhaste chuva enquanto foste buscar um único pacote de fritos.
Neo: eu disse que devíamos ter tido uma reunião num sítio mais civilizado, onde a mercearia fosse exactamente ao lado.
Varg: estás a queixar-te de quê? Foi a mim que calhou a palhinha mais pequena!
Neo: não posso estar solidário é?
Cass: viste… ele ao menos é simpático.

Varg calou-se e sentou-se desconfiado da excessiva solidariedade do seu colega de armas. No entanto tempo para desconfianças e partidas infantis tinha de parar, por mais que fosse divertido meter queijo como munição da minigun de Neo ou fazer grafitis na parede do castelo do Lunático, haviam coisas que tinham de ser travadas… como por exemplo, quem vestia incessantemente a Cassandra de freira, que era uma dor de cabeça para qualquer pessoa ou criatura num raio de 3 km.

Lunático: Então és tu que andas a estragar-me o castelo!
Varg: não leias o que estou a escrever porra! Isto é meu!
Lunático: tu tens a noção de quanto tempo eu e o Stuart gastamos para limpar aquilo? E ele não tinha produtos de limpeza… por alguma razão que ainda estou a tentar descobrir… quer dizer ele é o meu mordomo e não tem produtos de limpeza… o que é algo estranho…
Neo: Espera lá! Estás a escrever essas coisas? Deixa-me ler…
Varg: não! Isto é meu, não deixo!
Rumba: Zzzzz Caloriraaaaas!!! Zzz…. Mamas!.... Zzzz Caloiras!!!
Neo: aposto que fostes tu que me mandaste tomates podres ao bunker!
Lunático: não espera isso fui… Sim! Foi ele! A culpa é dele!

A tensão que nesta noite se tentaria desfazer começava a nublar as mentes dos presentes, excepto do Rumba que dormia quase pacificamente. A verdade é que todos tínhamos metido a pata na poça mas ninguém estava pronto a admitir tal coisa, quer fosse a evitar demónios e ursos de entrar nas nossas terras, a governar com pouca certeza, passar os dias a comer produtos com chocolate e dormir por todas as partes da casa, ir às compras, fazer grandes produções cinematográficas, todos ocupavam-se com algo que evitava o dialogo, a diplomacia e ao fim de muitas conversas falhadas e maus planeamentos é que conseguiram organizar este encontro.

Neo: então… andamos com isto ou não?
Lunático (comendo fritos): é tudo o mesmo, não vamos sair daqui com nada resolvido.
Neo: mas então se vamos continuar com esta reunião…
Varg: sim… vamos esclarecer o nada que temos andado a discutir… o nada igual a este sitio todo.
Neo: o quê? Antes o nada do que coisas sem piada e nexo só porque o rapaz se sente inspirado para parvoíce.
Varg: como te atreves! Pelo menos alguma coisa tem sido feita.
Lunático: vá, vá! Apelo à razão e à calma!
Varg: calma nada! Chego aqui, com toda a minha sinceridade para fazer um acordo de paz e…
Cass: acordo de paz nada! Vamos é bater no abutre.

Faz-se silêncio, mas desta vez as faces dos Imperialistas já demonstrava alguma calma e ponderação enquanto o Rumba continuava a ressonar.

Neo: onde está o abutre?…
Lunático: boa questão… também quero saber o que ele andou a fazer-nos neste tempo.

Mastigando ruidosamente fritos, o Lunático levanta-se e deambula um pouco pela caverna pensativo

Lunático: É um assunto serio de facto! Quem sabe se ele virou para o lado dos ursos!
Varg: Ele nunca faria isso! Mais rápido se meteria em combate com um zorro de branco do que virar-se contra nós!
Neo: tenho de concordar…
Lunático: não levem isso assim! Ele pode muito bem trair-nos a qualquer momento e não sabemos de nada.
Cass: pfft! Acho que ele preferia andar a assassinar pessoas com telemóveis do que aliar-se aos ursos.

A campainha tocou metendo todos em alerta. Havia qualquer coisa estranha naquilo, especialmente pelo facto de não haver porta, quanto mais campainha, para alem do buraco da caverna havia pouco naquilo que lembraria uma casa. Os imperialistas, excluindo o Rumba que continuava a dormir e a Cassandra que continuava presa dentro da caveira, deslocaram-se até à entrada. Lá encontraram um esquilo, com uma campainha portátil e um grande saco.

Varg: o que vem a ser isto?
Esquilo: isto? Isto não é nada! Mas pode ser. Se os senhores assim o quiserem.

Os imperialistas entreolharam-se interrogados.

Esquilo: pois é! O que eu tenho aqui é uma oportunidade única! E oferecida só a vossas excelências.
Lunático: oferecida só a nós? Apesar de estarmos numa caverna escondida e que ninguém sabe dela.
Esquilo: paginas amarelas…
Neo: vês? eu disse para não montarmos telefone aqui!
Lunático: mas era preciso, imagina que o presidente telefonava.
Neo: qual presidente?
Lunático: ahmm…. O… o… aquele que nos telefonou da outra vez…
Esquilo: meus senhores, meus senhores! Não nos vamos afastar do assunto em questão!
Lunático: mais importante do que descobrir quem mais sabe da nossa localização? Eu não admito isso! Os ursos já poderão saber, os marroquinos! Podemos já estar a ser atacados por forças de outra dimensão!…

Enquanto Lunático continuou a divagar sobre os vários perigos do local de encontro secreto dos imperialistas ter sido descoberto os restantes continuaram a conversa.

Neo: mas então qual era o assunto?
Esquilo: pois bem… já alguma vez se questionaram de onde vem a galinha?
Varg: que pergunta estúpida, vem do ovo!
Esquilo: ahah! Isso é o que pensam! A verdade é muito mais extensa e doentia! e muitas mais verdades que os media escondem de nós podem-vos ser reveladas com a maravilhosa ensiclopedia: “Toda a verdade e não só!”
Lunático: … depois os marsupiais tentaculares magenta de Éris! Dizem que é o décimo planeta! Bah! Eu sei que é a sua nave mãe!...
Varg: isto tudo para nos vender uma enciclopédia?
Esquilo: não só! Para alem de receberem a maravilhosa enciclopédia também serão roubados de artefactos poderosos que os meus aliados ursos cobiçam…

Houve um silêncio parvo entre os quatro indivíduos, pois até o Lunático que continuava a divagar se calou ao ouvir as palavras que o roedor proferiu. Pouco tempo até o esquilo pôr-se em fuga e os Imperialistas o perseguirem até ele se esconder no topo de um árvore.

Varg: sai daí! Só estás a atrasar o inevitável!
Esquilo: vocês não sabem o que falam! Eles virão! E vocês não poderão fazer nada em relação a isso!
Lunático: de vendedor de enciclopédias passas a pregador do apocalipse? Que falta de imaginação!
Esquilo: quem são vocês para criticar falta de imaginação! Tanto post que podia ter sido feito e vocês não fazem nada!!
Lunático: tens andado a dormir ultimamente! Até têm saído uns quantos e com piada!
Esquilo: tarde demais! Vocês estão condenados! Ahahahah!
Varg: vá lá! Deve haver algo que podemos fazer.
Lunático: que tal se te arranjar-mos nozes... seria bom para ti não?
Esquilo: quais nozes?
Lunático: bem… aquelas… de… AGORA!

Ao comando do Lunático, o Neo montado num dragão chinês gordo apareceu por detrás de uma pedra e comandou a majestosa besta a incinerar a árvore e o esquilo.

Enquanto ardia, o esquilo berrava pragas e maldições para os imperialistas, enquanto lhes lançava sem muito pouca pontaria as enciclopédias em chamas.

Dragão: portanto… deves-me uma…
Neo: sim… sim…
Dragão: a serio, porque se eu tiver à espera da Anuket para me apresentar dragoas no Hi5 tenho filhos sozinho antes que isso aconteça
Varg/Lunático: o quê?!
Neo: sim… vai-te lá embora, quero ver se despacho isto…
Dragão: espero que sim! Bem... vou voltar para a mala dela antes que dê por minha falta.

O dragão esvoaçou com dificuldade dali para fora com dificuldade devido ao peso e quando os ânimos começavam a acalmar ouve-se um grito vindo da caverna.

Cass: Rumba sua besta ignóbil! Acorda e ajuda-me!... Hey! Tira-me debaixo do teu sovaco! Isto é muito pouco sanitário!

Os imperialistas correram de volta para a caverna apenas para ver uma criatura peluda a puxar um saco pela janela.

Lunático: O Pai Natal!... quer dizer… Ursos!!
Varg: ou isso ou um Pai Natal urso
Neo: eu disse-te que não devias ter feito uma chaminé nesta caverna!
Lunático: estava com fome. E estar a cozinhar sem janela faz muito fumo.
Neo: mas tu estás a pensar em mudar-te para aqui?
Lunático: … talvez…
Varg: podemos deixar isto para outra altura? Eles levaram a Cassandra!
Neo: E OS FRITOS!!!

Todos olharam horrorizados para o local de onde a tigela de fritos tinha desaparecido. Um artefacto de tamanha importância e poder tinha sido roubado debaixo das suas barbas o que os lançou numa perseguição desenfreada aos ursos.

Os ursos já tinham vantagem no caminho, mas era noite e precisavam de ir dormir cedo e era nesse pormenor que os imperialistas contavam. Foram seguindo o rasto deixado por eles de embalagens bolicacau-com-nozes, pegadas e pastilhas apenas metade mastigadas, até que chegaram ao que parecia ser o acampamento montado por os ursos, mas um arrepio correu pela espinha dos Imperialistas havia algo de errado. Ao chegarem ao suposto acampamento encontraram uma grande pilha de corpos a arder e uma figura feminina carregando um machado com um lacinho rosa na ponta, carregava um corpo de um urso que posteriormente lançou para a pira de corpos já existente.

Ao ver os imperialistas a chegar ela cravou o machado no chão e aproximou-se deles. Afastou os seus longos cabelos encaracolados da cara mostrando os seus olhos, um deles com um sinistro brilho vermelho, e sorriu para os imperialistas.

Mulher: Boa noite senhores, achei que estava um pouco escura portanto decidi iluminar um pouco as coisas. O que acham desde espectáculo?

Os imperialistas ficaram a olhar em choque e admiração para a criatura que estava perante deles. À muito tempo que não viam tamanha atitude pró-activa e tamanho bem estar em relação a isso. Os ursos mortos eram muitos dando-lhe estatuto de B.A.U., mas ninguém a conhecia e a sua presença enigmática.

Mulher: já agora, chamem-me L.

quarta-feira, agosto 20, 2008

JAVA 8.0: O louco do mar

Final do Capítulo 6.0: O petisco de Gre~Ay


A batalha terminara e Gre~Ay mastigava violentamente os seus tremoços com os dentes da frente, com os lábios bem abertos, tentando fazer-me inveja e salpicar-me. “Não-te-dô-u! Não-te-dô-u! Lava a cara com chulô...u!” cantarolava ele com a boca cheia e ar triunfante.

“SILÊNCIO!”, gritou-me ele apesar de eu não ter dito nada. “Espera até eu passar aos torresmos”, disse do lado de lá do bufete, junto à zona dos petiscos.

“Quero lá saber, nem gosto de torresmos...”, berrei da minha gaiola.

A criatura engravatada parou o que estava a fazer e voou na minha direcção com o pé em riste, desferindo-me uma patada violenta na cara. O meu sangue espalhou-se pelo refeitório do zigurate, transformando arrozes à valenciana em arrozes de cabidela.

“Isto....” disse ele, puxando lustre à bota e levantando-se repentinamente, “é um atacador!”

Quando ergueu o atacador eu abri a boca de pasmo. Era de facto um atacador grandioso em belíssimo estado. Aquela bota é sem dúvida abençoada, porque atacadores como aqueles não se encontram em qualquer lado. Maravilhei-me com aquele atacador durante alguns segundos, segundos esses em que até o mais ínfimo pensamento se limpou da minha mente, e eu fiquei uns centímetros mais próximo da pureza de espírito. Viva o atacador!!



%


JAVA 8.0: O louco do mar


Com Gre~Ay a correr no nosso enlace, fechámos os olhos e atirámo-nos do topo da cascata. Caímos durante longos segundos até ao nível do mar e demos à praia inconscientes. Quando acordei, Éspe jazia a meu lado com o pescoço partido, as suas cordas seguravam-lhe o seu último fio de via como… cordas e ele murmurou para mim baixinho: “Não poderás prosseguir continuando a carregar-me como um peso morto. Terás de continuar sem mim.”

“Não, ” disse eu contendo as lágrimas. “sem ti não será o mesmo!”

“Vai, talvez nos encontremos um dia que voltes ao teu mundo. Não te esqueças, usa a colher.” disse enigmaticamente, e com um último powerchord em Dó, despediu-se.

Chorando, esfreguei a colher de pau que roubara do zigurate de Gre~Ay. Esta colher de pau, qual boné do Mighty Max, teletransportou-me para um sítio onde eu nunca antes estivera. Estava agora dentro de uma cave bolorenta que se abanava e rangia ao som das ondas. No ar misturava-se o cheiro a sal com o cheiro a bolor e pólvora seca.



Subi as escadas e cheguei ao convés de um barco pirata. Três piratas que aparentemente estavam a grelhar salsichas do tipo frankfurt pararam o que estavam a fazer e olharam para mim estupefactos. Um deles dirigiu-se a mim.

“Olá, o meu nome é Fernão de Magalhães! Bem vindo ao meu cruzeiro intercontinental! Espero que a viagem esteja do seu agrado e se precisar de alguma coisa, disponha sempre!”

“E que tal um batido de caju?”

Magalhães estala os dedos e um dos piratas que estava a grelhar as salsichas desapareceu rapidamente da nossa vista, para trás do balcão de um bar.

“Então e de onde vem, caro visitante?”

Contei-lhe rapidamente a minha história. Ele ficou maravilhado ao saber que eu provavelmente viajara no tempo para chegar ali, mas nenhum de nós sabia muito bem como teria sido isso possível. Foi somente após algum tempo que ele me perguntou se sabia qual seria o resultado da sua viagem. Lembrei-me então das aulas de programação do Grande Mestre J~Ap e contei-as a Magalhães.

“Bem, se bem me lembro, a sua viagem será a primeira a circum-navegar o globo terrestre.”

“A sério? Mas eu não tenho vontade nenhuma de fazer isso...”

Nisto, aparece o outro pirata com o meu batido.

“Pois,” continuei eu entre golos de batido “ acontece que você vai morrer numa batalha, e quem vai acabar a viagem é aquele personagem efeminado que está ali a maquilhar-se... Ele provavelmente achou que seria popular lá na terra dele se fizesse isso no lugar de um português...”

“Então é mesmo verdade. HANS! Trata daquele homem!”

Um calmeirão chamado Hans passa por mim e agarra em Elcano, atirando-o à água repleta de tubarões.

“Mas... mas...”

Vendo aquilo acontecer, todos os piratas começaram a cantar uma música piratesca, com a melodia da Raspa Mexicana.

“Se não confiares nas algas
Em que poderás confiar?

Se não confiares nas algas
Em ninguém poderás confiar...”

Fui a correr para o muro de madeira que separa o barco do horizonte e felizmente não vi tubarões. Infelizmente, após alguns instantes, vi Elcano a transformar-se numa cenoura gigante e a aparecer um gigante tubarão-coelho do fundo do mar, que o deglutiu de uma só vez.

Magalhães explicou-me que já andavam boatos no ar que diziam que Elcano era o fantasma de um canibal extraterrestre que estava amaldiçoado por ter destruído o coração de uma princesa zombie e a única maneira de quebrar a maldição era matando Magalhães para dar a volta ao globo com o barco dele e ficar com a fama toda.

“Eu compreendo, mas matá-lo vai alterar a História toda e não sabemos que consequências isso poderá ter! Podemos todos transformar-nos em bichos verdes viscosos escamosos feiosos com pés mal cheirosos!”, disse eu lembrando-me do som do trovão.

Magalhães deixara de prestar atenção à minha frase a meio desta. Via no horizonte um barco da marinha inglesa e mandava agora içar a bandeira pirata. Vinha a caminho mais uma fortuna para os cofres portugueses.

“Magalhães... O grande mestre J~Ap preveniu-me para isto. Ele disse-me que o bom programador nunca deve atacar barcos ingleses em busca de despojos porque eles podem virar-se contra nós e morder-nos os tornozelos! Em vez disso, deve estudar todos os dias a API do J.A.V.A. e ser alguém na vida.”

Magalhães olhou para mim com ar desconfiado. Seria eu mais um enviado do inimigo para sabotar a missão dele de pilhar todos os navios ingleses? Seria eu um associado do Elcano? Seria eu o anticristo enviado pela besta para provocar o Apocalipse? Ou, pior ainda, seria eu um amigo do Engenheiro José Sócrates?

“HANS! Trata daquele homem!”

Hans dirigiu-se a mim com uma garrafa de vidro, material ainda não inventado na altura, esperou uns minutos para que eu acabasse de beber o meu suminho de caju, e ferrou-me um golpe na cabeça que me deixou a ver navios.

“Ouça,” disse eu com a cabeça a andar à roda “se me quer deixar inconsciente, aconselho-o a bater-me antes na nuca.”

“Onde?”

“Aqui assim.” apontei “E dê uma inclinação à garrafa de cerca de 135º.... Mais para a esquerda......... Isso, assim. Tente lá ago--”

...

Quando recuperei os sentidos estava em frente a um modesto palácio rodeado por estranhas árvores que pareciam algas gigantes. Estava submerso.

segunda-feira, junho 09, 2008

Dream Black

Prologo - Parte 2


Ela deslocou-se para perto da rapariga que instintivamente tentou fugir rastejando pela erva, mas foi incapacitada pela Mariana que lhe agarrou pela perna e puxou-a para si. Imobilizou-a e forçou-a a olhar-lhe nos olhos, pegando nas pernas com duas mãos, nos braços com outras duas, enquanto que uma das restantes agarrava na face. A rapariga chorava incessantemente, mantinha os olhos severamente fechados pelo terror e o medo enquanto balbuciava com terror:

- Por favor, não... não...

- O que é que achas que te vou fazer? – Perguntou a Mariana enquanto lhe inspeccionava o corpo coberto de feridas.

- Não... eu não quero morrer – Repetia a rapariga.

- Abre os olhos. – Ordenou.

Tremendo nos seus braços, a rapariga acabou por abrir os olhos, dado a Mariana a oportunidade de ver o aspecto espelhado deles.

- Só me faltava esta.

Com um suspiro a Marina largou a rapariga que caiu imediatamente no chão como se desprovida de qualquer força, apenas mantinha as mãos na cara continuando a sua lamúria.

O cheiro do sangue era demasiado intenso, talvez Mariana tivesse exagerado no isco, com um odor destes não seria só um lobisomem que iria ser levado até ali e muito provavelmente seria a presença desta criatura que afastaria outros perigos. Agora o sangue intoxicado pela prata escorria pelo corpo da monstruosa criatura e não havia nada mais forte para atrair perigo do que o fresco cheiro da morte. Ciente disso, a Mariana sabia que não havia outra opção, precisava de sair dali antes que algo as encontrasse.

- Levanta-te, temos de sair daqui rapidamente. – Disse Mariana pegando no seu casaco, telemóvel e mochila.

- Embora?! – Gritou – O meu namorado está na floresta, tenho de o encontrar!

- O teu namorado já não interessa. Nestas situações salva-se quem se puder e neste momento eu posso salvar-te a ti.

- Mas… Mas… não o posso deixar. – Lamuriou-se

- Poder é uma coisa, agora, se não quiseres, posso deixar-te aqui. – Argumentou Mariana retirando uma das suas pistolas. – Agora considera o seguinte: vens comigo e eu ajudo-te, ou fica, mas ficas com uma bala entre os olhos.

- Porquê?... porque é que isto me está a acontecer... – Lamentou-se.

- Suponho que isso seja um sim. E se te conforta, foi só estares no local errado à hora errada. – Respondeu-lhe Mariana enquanto digitava um número no seu telemóvel. – Daqui é a agente Virna, a missão está completa, o lobo foi caçado.

- Muito bom trabalho Virna, estás dispensada, retorna à cidade. – Respondeu-lhe a voz do outro lado.

- Temos um problema, quer dizer, dois. Fiz contacto com um dos dois alvos na floresta, ela está infectada com o Lycaen.

- Pode ser salva? – Questionou friamente o homem com quem ela falava.

- Pode, ainda está consciente, um pouco assustada mas está bem, o vírus vai demorar a tomar conta do corpo, mas até ao nascer da lua de amanhã já a tenho segura. – Explicou Mariana, não tirando os olhos da cara, assustada e confusa da sua agora protegida.

- E o outro alvo?

- Não tive contacto, presumo morto.

- Presumes nada! Não te esqueças do que estamos a lidar!

- Então enviem uma equipa de reconhecimento. O meu trabalho acabou por hoje! – Retorquiu a Mariana.

- Certo... de qualquer maneira, o Xavier será avisado. Dirige-te para a loja imediatamente.

- Certo. – Disse a Mariana com algum desdém, desligando o telemóvel sem qualquer outra palavra. – Tu, recompõe-te e prepara-te que temos um bom caminho pela frente.

Ela não disse mais nada e de cabeça baixa levantou-se sem oferecer qualquer resistência. A Mariana estranhou essa submissão assim tão repentina, mas não contestou, a situação já era complicada para ela, portanto para uma pessoa que não pertencia ao Outro Lado de repente ver-se envolvida em tamanha confusão deveria ser algo cansativo para a mente.

Desta vez não havia razões para estar alerta, o perigo maior já tinha sido extreminado e qualquer outra pequena ameça seria atraida para clareira primeiro, caso conseguisse sentir a presença de duas criaturas vivas para alem do intenso cheiro a morte lá encontrado, seria tarde demais para as presseguir. Portanto, apenas com a atenção virada para se a rapariga não se desviava do caminho ou tentava fugir, a Mariana tomou rapidamente o trilho de volta para o seu carro. Foi uma marcha rapida e em poucos minutos já avistavam a estrada. A Mariana aproximou-se do carro, abrindo de seguida a porta do passageiro e esperou pela rapariga que se manteve imovel por uns instantes antes de questionar:

- Para onde me levas?

- Para um sítio seguro. – Respondeu Mariana.

Ela manteve os olhos cravados na rapariga, era necessário que ela entrasse no carro mas não era o lugar de Mariana obrigá-la, a decisão precisava de ser tomada pela rapariga e por mais ninguém. Sentiu-se a tensão e o medo a deslizarem pelo ar e por uns instantes a rapariga pareceu vacilar, mas finalmente, com uma expressão pesada e devastada pela atribulação desta noite, ela decidiu confiar nesta estranha e meteu-se no carro.

A viagem foi feita em silêncio, nada para alem do passar de carros perturbava o ambiente que estava a crescer entre as duas mulheres. Uma delas estava assustada, sentia-se uma estranha num mundo que julgava conhecer, aquilo que mais gostava tinha sido arrancado de si e agora entregava a sua sorte a uma estranha, simplesmente esperando que este pesadelo acabasse o mais rápido possível. Do outro lado estava a Mariana, ciente do que ela sentia, mas não conseguia entender. Ela tinha nascido no Outro Lado e não conhecia nenhuma outra realidade para alem dessa, portanto não entendia o choque de ter a Ilusão rompida, não entendia a queda no desconhecido que os humanos sofriam quando lançados, pelo destino, pelo acaso, ou por muito má sorte, para o Outro Lado e achava reacções como estas algo descabido, talvez fosse fria demais, mas era assim que ela via o mundo e por não existiam palavras de conforto vindas dela neste momento.

As luzes dispersas da estrada envolveram o carro ao tornarem-se luzes da cidade, os ruídos da noite invadiram o silêncio do carro fazendo a rapariga espevitar um pouco. As duas criaturas dentro do veículo olhavam para a cidade em sua volta com olhos diferentes, cada uma com a sua visão do mundo, uns olhos viam criaturas disformes a passearem pela noite, enquanto que os outros apenas viam simples humanos, eram duas visões da vida e do mundo mas apenas uma delas estava prestes a mudar.

Continua...

Coisa:
Coisa 1: Não estou muito satisfeito com este por isso é que deixo aqui o aviso: haverá (de haver) modificações no post
Coisa 2: dado a eu estar pouco satisfeito com isto, agradeceria criticas e sugestões e afins.