quarta-feira, maio 27, 2009

Pandemónio

Os capítulos menos maus desta treta estão aqui e aqui.


Capítulo 5
Uma Supernova Incandescente Renasce


Era Inverno ou Outono. Uma paisagem pintada a preto e branco escondia-se atrás de um sinal a um refrigerante qualquer sem interesse. Eu estava em cima da ponte que o suportava. Não me lembro se olhei para baixo, porque sei que não se encontrava lá nada. Foi de lá que caí e fui sugado pelo túnel para debaixo da ponte.

- Jovem, é a sua vez. – disse-me o homem da bata branca, pedalando.
- O quê? Onde estou?
- Em frente à farmácia. Estão à espera para o atender. – acrescentou antes de desaparecer.

Entrei recordando-me do sítio onde as portas estavam, pois não conseguia ver a entrada. A figura no espelho ainda lá estava, agora uns anos mais velha, desconfiada como sempre.

- Noventa e oito... – chamou o homem do balcão.

Procurando nos meus bolsos, encontrei uma senha precisamente com o número 98.

- Boa noite, – disse eu – não me lembro de ter estado aqui, podia ajudar-me?
- Precisa de algo para a memória, portanto.
- Aparentemente.
- Ok, é tomar isto de 12 em 12 horas e isso dentro de um mês está resolvido. – disse ele, estendendo-me um frasco que fazia um barulho invulgar.
- Está bem. Não, espere, não está bem. Se estou com problemas de memória, como espera que me consiga lembrar de tomar isso?
- Nessa altura eles já estarão a fazer efeito.
- Ah, faz sentido... – disse eu sem achar sentido.
- São 60 escudos. – respondeu ele.
- Escudos? 60? Está bem. Espere, não está bem. Não tenho carteira. O que aconteceu à minha carteira?


Nisto, pelas portas da farmácia entra uma rapariga jovem, pálida como a neve, e senta-se em cima do balcão, entre mim e o homem que me atendia, olhando-nos fixamente. O seu reflexo havia desaparecido do espelho que nos mirava de longe todo este tempo. A sua presença era fantasmagórica e existia algo nela que me perturbava e me fazia ter vontade de matar o homem ao balcão. Pelo espelho podia também ver o vidro da farmácia, que estava atrás de mim. Lá, um animal estranho com corpo humano encontrava-se agarrado, suspenso com a cabeça para baixo. Uma enorme língua saía negra da sua boca que espumava gotículas de saliva viscosa, evaporando-se no momento que tocavam no chão.


- A sua carteira foi roubada, lamento. - respondeu-me ele, ignorando que algo de estranho se passava ali.
- Ok, quero-a de volta.
- Não a tenho. Não fui eu que a roubei.
- Quem foi?
- Anne.
- Sério? Isso faz algum sentido, ainda que nenhum.
- Bem, vou indo. Até logo.

A jovem em cima do balcão acenou-me e eu saí. Quando olhei para o vidro, do lado de fora, não estava lá ninguém.







Continuei a andar à deriva.


A música de discoteca que ressoava pelas paredes daquele centro comercial tinha cessado para dar lugar ao som de água a cair em cascata. Perdido, chegava agora ao que parecia o centro de todo aquele edifício: uma ampla sala oval aonde iam dar diversos corredores vindos cada um de cada canto. A rapariga que eu vira na farmácia vinha a seguir-me por uns minutos e quando eu parei ela finalmente me interceptou.

- Como são? - perguntou-me ela.
- São verdes, porque as--
- Não é isso. Como são as tuas memórias?

Era uma pergunta parva. Fiquei a olhar para ela sem saber o que responder. Dei comigo a pensar no que se passara na farmácia e apercebi-me que não me lembrara como de lá saí, somente me conseguia recordar da incoerência e, de certa forma, impossibilidade do diálogo com o farmacêutico. Lembrei-me ainda da mulher ruiva que me atravessara transparente e, também isso, me parecia agora impossível. Lembrei-me de

- Então, como são? – interrompeu-me.
- São... implausíveis. No mínimo.
- Então a tua vida é implausível. – disse ela após uns momentos – No mínimo.
- Que queres dizer? Poderei não existir?
- Nada disso. Simplesmente, a única coisa que tens da tua vida até ao último segundo em que viveres são as memórias de tudo por que passaste. No segundo seguinte não terás memórias, logo não terás nada. Tudo o que construíste se perderá. Sem memórias não há passado e o passado é tudo o que existe. Sem memórias não se vive.
- Então e pessoas com amnésia? – perguntei eu – Se alguém viver a segunda metade da sua vida com amnésia, significa que não viveu a primeira metade de todo?
- Precisamente.
- Então e todos os momentos que viveu? Todas as vezes que sentiu e se emocionou?
- Se não fazem parte da sua memória, não fazem parte do seu passado. Como o passado é tudo o que existe, nada daquilo existiu.
- Como podes dizer que o passado é tudo o que existe? O amanhã ainda não aconteceu. O amanhã ainda não é.
- Aconteceu sim, – disse ela confiante – somente não te lembras dele.

Fitei a cascata em silêncio. Escondido por baixo da água que jorrava estava um relógio sem ponteiros que marcava 2:30. Ela parecia entretida por me ter posto a pensar.

- Quem és? – perguntei.
- Quem “sou”?
- Sim, quem és?
- Eu?
- Sim...
- Eu sou..... tu. – disse, visivelmente divertida – Ou não te lembras?

E nesse momento desapareceu. O relógio marcava agora 5:20.




Capítulo 6
A Sonâmbula Anã Negra Cambaleia pelo Espaço Sideral


Continuei a andar e fui dar a um sítio onde ainda não tinha estado. Lá encontrei uma porta enorme guardada por um segurança. Ele tinha óculos escuros e um sombrero mexicano. Comunicava com alguém através de um headset que o fazia parecer uma mistura de agente secreto com Speedy Gonzales. Possuía um bigode fino e retorcido e uma barbicha em forma de V, como o célebre bigode francês.

- O Hitler? Nunca imaginaria... Escuto. – dizia ele para alguém do outro lado.
- Desculpe...
- Sim, o bigode dele era claramente pintado com lápis de cera. Escuto.
- Podia dar-me só uma
- Não, as minas são essenciais, o plano não funcionaria sem elas. Escuto.
- É só porque me roubaram a carteira e
- Tenho aqui o intruso. Já combinamos o resto. Escuto e fim.
- Eu não sou nenhum intruso, só precisava de ajuda para localizar a pessoa que me roubou a carteira. E epá, “escuto e fim” é um bocado idiota.
- Como esperas que diga “over and out”? Over é escuto e out é fim! Achas que davas melhor segurança agente secreto tradutor de inglês maquiavélico conspirador contra o planeta e sósia em part-time do Chuck Norris que eu, é? Escuto.
- Depende, que estás a guardar?
- Oh meu amigo, por trás desta porta está a decorrer uma operação de elevado secretismo que possui objectivos modestos, é um facto, mas importantíssimos para o nosso país!! Escuto.
- Alguém que saiba fazer as bolachas húngaras em condições?
- Conquistar o mundo!!............. Escuto.
- Ah.
- Deveras. Escuto.
- Como está a pensar conseguir isso?
- É top secret. Escuto.
- Tem a ver com minas?
- Já disse, é top secret…… Mas sim, tem. Escuto.
- Daquelas explosivas ou das que se metem nas lapiseiras?
- Que pergunta idiota… das que se metem nas lapiseiras, óbvio. Esta sala está cheia delas. Escuto.
- Não acredito.
- Não? Então anda daí ver. Escuto e fim temporário.

Entrámos na sala que ele guardava, depois de ele ter rodado a chave, introduzido um código e baixado ligeiramente os óculos para reconhecimento ocular. Em seguida arrotou alto, fez o 4, atirou o sombrero para o chão e fez a dança mexicana à volta dele enquanto trauteava a música da Raspa. Ajeitou o nó da gravata que lhe estrangulava o pescoço e só depois se ouviu uma feminina voz computadorizada vinda do tecto a dizer, de forma sexy,

- Rreconhecimento aceite, willkommen Herr Strüdlefickenbructer.
- Danke schön. Escuto.
- Não havia dinheiro para o Microsoft Sam?
- Cá está a sede de operações da Minen, uma organização ultra secreta que opera neste estabelecimento comercial, que visa conquistar o mundo. Escuto.

A sala estava, de facto, cheia até cima de caixinhas de minas. Pilhas e pilhas delas elevavam-se fragilmente até à altura de talvez três andares. Conquistar o mundo apenas usando minas seria algo engraçado e até bonito de se ver. Escravatura global seria bem mais fácil de suportar se fosse mantida por minas, porque ao menos ríamo-nos de vez em quando.

- Querem, portanto, conquistar o mundo.
- Correcto. Escuto.
- Com minas.
- Com minen. Escuto.
- Espero que tenham uma metralhadora de minas bem potente então.
- Não, meu amigo. O plano é rapinar todas as minas das fábricas da Rotring e da Staedtler. Quando o mundo ficar à rasca por não conseguir escrever, sem ficar com as mãos sujas de tinta de caneta, a Mutter Deutschland venderá as minas para todo o mundo em troca de petróleo. Quando as pessoas ficarem cansadas, cheias de sede e com bolhas nos pés por andarem só a pé, nós faremos papel de bonzinhos e iremos à Noruega comprar bacalhau para distribuir pelo mundo, porque espalharemos o boato que o bacalhau faz bem às verrugas. O que as pessoas não sabem é que o bacalhau só servirá para lhes dar ainda mais sede e fazer com que fiquem com espinhas presas na garganta.
- Hmm.. Há um
- Quando as pessoas precisarem de alicates para retirar as espinhas, nós vender-lhes-emos o petróleo que lhes comprámos pelas minas para elas irem ao supermercado comprar água e alicates, porque nessa altura já estarão com os pés tão desfeitos que não conseguirão andar. Com o dinheiro do petróleo compraremos toda a água doce potável do mundo e seremos imperadores porque não deixaremos ninguém que não trabalhe para nós bebê-la. Nunca suspeitaste que sempre que compras minas, diz na caixa “Made in Mutter Deutschland que ein Tag vai conquistar das Wörlde”? Escuto. Todas as marcas de minas do mundo são alemãs! Escuto.
- Está bem, mas eu agora vou avisar os governos internacionais para não comerem bacalhau por causa da nova Gripe Bacalhuína e o vosso plano cai por água abaixo. Toma.
- Schnell, prende-o já seu Dummkopf. – ordenou a voz computadorizada.
- Sim, mein Führer. Ich vai prendê-lo. Escuto.
- Führer? Quer dizer que... Não pode. Não! – disse eu incrédulo.
- Ja! Das ist gut! Ich Bin das Hitler und ich will konquer der Worlde eine plus timen!!
- És o Hitler e tens uma voz feminina?
- Jawoll. A idiota da Anne prrogrramou mal o banco de voz quando instalou o DVD da minha perrsonalidade e agorra fiquei com voz de gaja.
- A Anne? Impossível. Por falar na Anne, onde anda ela? Ela tem a minha carteira...
- Foi à loja de informática comprar um fax, preciso de enviar um cartão de aniversário aos meus avós. Escuto.
- Ok, vou indo então. Boa sorte.
- Dummkopf!!!! Não o deixes escapaarrrrrrrrr!!!!!1!!!einz!1!
- Sim, Führer. Escuto.
- E párra-me com a trreta do escuto, já não há quem te aguente.
- Com certeza, Führer. Escu... teiros.

Comecei a correr para dali fugir. Ao correr desajeitadamente em meu enlace, o sombrero do segurança embarrou ligeiramente numa pilha de minas menos bem colocada. O último som que saiu da sua boca foi o grito ensurdecedor de quando um milhão de agulhas de carvão o trespassou de uma ponta a outra numa apoteose de sangue:

- Escuto.... E fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim...
- Arrgh. Lá se foi o meu futurro prrimeirro-ministrro das Carraíbas e Novo México... Scheisse.




NZL

PS: Prometo que o de warcrap vai estar melhor.
PPS: Folgo em imaginar que, onde quer que ele esteja, o Flahur ainda leia o Imperialium e eu não ande para aqui a escrever só para o Varg.