terça-feira, abril 25, 2006

A Visita ao Pandemónio - Capítulos 3 e 4

Fica aqui o link para o prólogo e para os capítulos 1 e 2 desta história. Foram actualizados para a versão mais recente que eu tinha.



Capítulo 3

O Sofrimento Incondicional como um Natural Estado Humano


A tarefa de encontrar a farmácia foi bastante complicada pois não conhecia o sítio onde me encontrava. Demorei cerca de 20 minutos a fazê-lo porque ninguém se dignou a sinalizar o caminho para lá. Lugares como cinemas, cafés e até mesmo lojas de pedras decorativas, tinham direito a setas enormes e a cartazes publicitários, porém, um estabelecimento reles e sem classe como uma farmácia, não merecia tal tratamento.

Às tantas, passou por mim um senhor que se agarrava ao pescoço e falava muito calmamente, como se não se passasse nada de errado com ele:

– Fogo! Azar este o meu, hein?! Mas que chatice... foi-se-me rebentar uma veia jugular! Que vai ser de mim com uma jugular a menos? O que eu precisava mesmo era de uma farmácia, mas como não vem nenhuma indicada nestes sinais, acho que o melhor é ir ver o novo filme da miúda do poço. Sim, porque felizmente sei que os cinemas são para ali ->.

E lá foi ele, assobiando com a mão colada ao pescoço ensanguentado, em direcção às salas de cinema, tendo caído morto uns quantos passos à frente, junto a outros quatro cadáveres.



Continuei a andar pelo meio de montras até me deparar com uma cruz luminosa que piscava periodicamente o nome: “Última esperança”. Tinha chegado finalmente à farmácia.

Atrás das suas cristalinas portas automáticas escondia-se um decrépito antro de desespero. Entrei vigilante, sob o olhar desconfiado da figura do espelho. A toda a dimensão da sala, estantes de medicamentos alfabeticamente ordenados forravam as paredes, vomitando um cheiro a doença e à morte por ela provocada. Fumegava pelo ar o egoísmo orgulhoso de um deus misericordioso que reserva uma imortalidade fictícia para si e para a podridão insaciável das suas bactérias parasitas do espírito.

Atrás do balcão, cruzados da humanidade combatiam os insondáveis desígnios do paranormal e todos os dias retardavam o inevitável a dezenas de pessoas como genuínos heróis, tanto aos olhos dos doentes como aos da indústria medicinal, traindo, no entanto, um paraíso sedento de almas que, eventualmente, acabará por lá receber as suas e as de todos nós.

Retirei a senha de vez e sentei-me. Olhei em redor e presumi precipitadamente que o meu ladrão não se encontrava ali, uma vez que as únicas pessoas presentes eram dois farmacêuticos, que atendiam duas idosas, e uma rapariga calva com cerca de doze anos que estava sozinha, sentada a meu lado, mirando fixamente um espelho fronteiro aos nossos bancos.

– Boa noite. – cumprimentou-me ela. Possuía uma voz calma e uma expressão melancólica. A ausência de cabelo realçava os seus olhos verdes e a sua cara manchada de ténues sardas, imperceptíveis como o sofrimento: uma mancha por cada pranto e uma lágrima silenciosa por cada mágoa.

– Boa noite. – respondi eu. – Precisas de alguma coisa?

– Nem por isso, estou só à espera da minha avó. Ela está a comprar os medicamentos para mim. – baixou a cabeça – Eu... estou doente...

– Vais ver que ficas boa. – declarei eu automaticamente, sabendo que as infundadas esperanças são o melhor alimento da alma.

– Desta vez é diferente, desta vez posso não ficar boa.

– Tens de acreditar que vais. Ficares boa só depende de ti.

– Eu acredito, mas tenho medo. Tenho medo de ficar de cama para sempre e medo de não conseguir escapar a este sofrimento. Tenho medo de um dia não acordar.

– Medo é algo que todos sentem, – improvisei – o que distingue as pessoas umas das outras é a sua coragem. Tens de te sentir capaz de derrotar aquilo que te atormenta, pois a vida é uma luta constante, e quem to negar mente-te.

Seria mesmo verdade o que eu lhe dissera? E o facto de ser ou não verdade interessa realmente? Ou, por outro lado, importa se este discurso fantasioso produzirá algum efeito no futuro?

Eu diria que não. Não é um simples incentivo moral que ajuda uma pessoa a combater uma doença que lhe desintegra as entranhas e que a priva de viver uma vida decente. No entanto, se ela sobreviver, torná-lo-á sem dúvida num princípio existencial, algo sem o qual era impossível estar viva. E quem nos garante que ela, pensando seguir aquele slogan da sociedade moderna, não passa os melhores anos da sua vida agarrada a uma máquina, lutando em vão contra algo invencível e incompreensível? Será isso estar vivo? Ou será essa apenas uma morte atrasada sem qualquer significado ou propósito?

Quando acordei deste mar de objecções fingidas e oximoros hipócritas, a rapariga já tinha saído com a sua avó, deixando um dos balcões livres. Levantei-me. Quando o fiz, entrou pelas imaculadas portas da farmácia, um outro idoso, numa bata branca, que agarrou uma senha e dirigiu-se prontamente ao balcão, passando-me à frente.

– Desculpe, mas eu acho que estou primeiro que o senhor.

– Ah sim? Que número tem?

– Tenho o 86. – disse, mostrando-lhe o papel – E você?

– Eu tenho o 87. – arrancou-me o papel da mão e mostrou-mo ao contrário. – Esse é o 98. Vê?

Olhei para o farmacêutico, que, provavelmente já conhecendo o idoso, me fez um sinal com um dedo insinuando que este era maluco. Resolvi ceder perante este novo facto e saí da farmácia, ficando à espera que um deles acabasse de ser atendido.

Somente quando cheguei cá fora, ao corredor do centro comercial, me ocorreu uma pergunta imbecil, de tão inoportuna que era. Afinal de contas, que estava eu a fazer naquele local?


Capítulo 4

Eventualidades

– Boa noite, Senhor Papa, em que lhe posso ser útil?

– Boa noite, eu precisava de um medicamento para melhorar a minha cabeça. Não sei se entende...

– Com certeza! Está a precisar de Viagra?

– Não é isso. – contrariou o idoso de branco – Bem, se tiver aí disso também me pode dar uma caixinha. O que eu queria realmente era qualquer coisa que me pusesse a pensar melhor. Governar um império magnata exige um mínimo de capacidade mental, como deve imaginar. Não é qualquer velho de 79 anos que o consegue fazer.

– Então deseja um estimulante cerebral. É isso?

– É isso exactamente. E já que vou levar Viagra, diga-me, – baixou a voz e encostou-se ao balcão, conforme a sua condição física lho permitiu – não tem por aí umas quantas raparigas virgens?

– Lamento, mas não. Isto não é o paraíso islamita.

– E já usadas?

– Também não é um bordel.

– Hmm... crianças?

– Nem a Casa Pia.

– E bonecas insufláveis?

– Mas se há coisa que isto não é, é a casa do Abutre.

– Qual Abutre?

– Esqueça.

– Isso não é difícil. Então e vendem Viagra para quê?

– Vendemos somente o medicamento. Depois são os clientes que decidem o que fazer com ele.

– Certo. Lá terei de raptar alguém pelos corredores da basílica. Então é tudo. Aceita Visa?

– Só Multibanco. Mas deixe-me interessá-lo numa promoção especial. Hoje e apenas hoje, na compra de uma caixa de Viagra, pode levar por apenas mais 40 euros, um crucifixo de Jesus Cristo em marfim, completo com este estojo em madeira de pinho, tudo com acabamentos de luxo.

– Não seja ridículo homem! Cristo? Já alguma vez viu alguém da minha idade acreditar num disparate desses?

– Bem visto. E que tal uma bicicleta de montanha?

– Ah, isso pode ser.

– Antes que me esqueça, o senhor não deve tomar esses comprimidos no caso de sofrer do coração. – referiu o farmacêutico enquanto executava o pagamento.

– Deixe lá. Já sofri dois ataques cardíacos desde que sou Papa. Não é mais um que me vai matar. E se for, há-de haver alguém que me substitua. – concluiu o Papa enquanto pagava. – É essa a beleza da vida...



NZL



PS: Desisti de tentar formatar o texto de forma minimamente apresentável.



Continuação

sexta-feira, abril 07, 2006

Elefantes cor-de-rosa

(está visto que a nova era é marcada por maus títulos)

Após tantas horas perdidas, após tantos insultos e repreensões do instrutor, após tantas discussões com a antipática da recepção, após tantas perguntas traiçoeiras do instrutor mais gordo e tantos exames de código para treinar (nos quais acertei menos respostas do que as que podia falhar), mas antes de um post sobre elefantes cor-de-rosa com pouca ou nenhuma piada, finalmente chegou o dia pelo qual esperava há já uns cinco meses.

O dia do exame de condução!

O meu instrutor insistiu em levar-nos, a mim e à minha colega, para o local do exame. Nós já tínhamos ouvido boatos de que ele não era um condutor exímio e até inclusivamente já tinha atropelado um ou dois cães, mas nunca pensámos ser possível um instrutor de condução guiar tão mal.
Já íamos a meio do caminho quando o pior aconteceu. Uma senhora idosa, cega, coxa e estrábica, de canadianas e cadeira-de-rodas, mãe de 5 filhos, 12 netos e 26 bisnetos, membro e contribuidora assídua da liga dos amigos do Hospital Garcia da Horta desde 1968, que ia a caminho de um almoço de beneficência a favor das crianças vítimas do Tsunami, viu o carro da escola de condução e quem o estava a conduzir, e, num acto de heroísmo ou pura senilidade, atirou-se para a frente do carro gritando “Morre! Morre e vai para o Inferno seu assassino de caniches e chihuahuas!”.

O embate violento com a velha fez disparar o airbag do condutor, sufocando o meu instrutor até à morte. No entanto, tanto eu como a minha colega Iolanda (nome fictício)(Or is it?) saímos ilesos. Telefonámos para o 112, que nos mandou uma ambulância, cujos paramédicos conseguiram salvar a velha e até a puseram a andar e a ver novamente, deixando-a apenas com uma pequena cicatriz num braço.

Decidimos então telefonar para a escola de condução, pois o carro ficara inutilizável após o acidente. Do outro lado, ouviu-se a seguinte gravação: “Ligou para uma escola de condução incompetente, inoperante, e outras coisas más começadas por in, como intupida. Neste momento são......... 10... horas e ......... 20... minutos e nós encontramo-nos fechados. Uma das senhoras da recepção está a jogar ao bingo no lar, e a outra anda metida com o namorado da cunhada. O seu telefonema é muito importante para nós. Por favor desligue e não volte a ligar.”

Desanimados, decidimos pedir boleia. Passou um carro preto, depois um vermelho, depois uma carrinha dos bombeiros, e até uma carrinha hippie que estava decorada com flores de todos os tipos e ia a caminho do Rock In Rio ver o espectáculo das fuinhas. Finalmente, passou um camião que encostou e parou para nos dar boleia. Entrámos.

Imaginem o meu espanto quando vi que ao volante estava o meu professor de física: um professor universitário assistente, muçulmano ou descendente de muçulmanos, que se engana cerca de quinze vezes por aula. Acreditem ou não, enquanto eu escrevia a frase anterior deste post, ele estava a apagar um quadro inteiro com um exercício que resolvera, pois enganou-se logo ao início e estava tudo mal por ali abaixo.. não é que eu estivesse a passar ou a prestar atenção, mas sinto-me incomodado com esta falta de profissionalismo no ensino português. Errar não deve ser humano, mas sim muçulmano. Foram os físicos monhés que inventaram o que vulgarmente se designa por “erro”. Enfim.. deixando o racismo e voltando ao post... Durante esta minha divagação, o gajo arrancou com o camião e estávamos de volta no caminho para o centro de exames.

Prof: Os jovens vão para onde?
NZL: Barreiro...
Prof: Eu também! Que coincidência.
NZL: Pois...! Já se adivinhava...
Prof: Então e estás a pensar que eu sou teu professor de física e que te dou aulas na Universidade Nova de Lisboa?
Iolanda: Agora todos os teus posts têm alguém que te lê o pensamento?
NZL: Não te metas nisto oh boazona! Eu tinha era de arranjar uma maneira de fazer com que ele me conhecesse neste post, e só me lembrei mesmo disto.
Iol: Ah, okay.
Prof: Então e vocês vão ao Barreiro fazer o quê?
NZL: Exame de condução.
Prof: Ai que giro! Eu costumava ser instrutor antes de ser professor de física camionista!
NZL: Pois...! Já se adivinhava...

Prof: Então sôr Neo Clips, resolva lá este problema:
NZL: Por que raio--
Prof: Um elefante voador transporta um astronauta até ao pico do Evereste, usando uma roldana de massa 12 kg e formando um ângulo de 39,5 bolachas radianas com o Pólo Norte. Qual é o trabalho que realiza?
NZL: Ahm... deixe-me pensar... 3?
Prof: 3?!....... 3 quê?
NZL: Joule?
Prof (olhando para o tablier): Eu tinha resolvido e tinha-me dado 7500 Joules. Deve ser dos arredondamentos. Quantas casas decimais deixou nos cálculos intermédios?
NZL: Ahm... deixe-me pensar... 3?
Prof: Pois, logo vi. Nunca se deixam 3 casas! Seu imbecil!
NZL: Imbecil é você, seu imbecil!
Prof: Então já que é tão esperto, diga-me: Se em vez de um astronauta for um canalizador? E não me diga que é 3!
NZL: 4?
Prof: Claro que não! Este tem de levar um conjunto de ferramentas que o astronauta não precisa. Fazendo em média 50 Joule para cada ferramenta, num total de 12 ferramentas (contando com o martelo de borracha e um boneco em miniatura do Alf), diria que perfaz 603 Joule. Sem contar com o dónute que ele comeu ao pequeno-almoço.
NZL: Ah... estou a ver...
Prof: Então e a velocidade daquele carro ali! É uma grandeza vectorial ou escalar?
Iol: Está a considerar a velocidade em módulo?
Prof: Nódulo? Que é isso? Eu sei lá se é nódulo ou não! Eu é que faço as perguntas aqui, agora responda se faz favor!
Iol: Se não é em módulo é vectorial.
NZL: Eu acho que é escalar.
Prof: Não é uma coisa nem outra! Está claro que se é uma grandeza tem de ser grande! Não há cá nódulos! Mas é natural que vocês achem isso. São os dois umas valentes bestas! É natural que achem coisas de bestas! Suas bestas achadoras de coisas de bestas!
NZL: ...
Prof: Sabem o que vocês são?
Iol: Bestas?
Prof: Exactamente! Bestas genuínas!
NZL: O que--?
Prof: Bestas! Era isso que você ia perguntar sua besta gigante? Que você é uma besta?
NZL: Era. Agora cale-se.
Prof: Ok. Calei-me





Prof: Olha lá oh clips. Por acaso não estás a ler o jornal na minha aula pois não?
NZL: Não, estou a escrever um post.
Prof: Um post? Para que blógue?
NZL: Para o blog Imperialium.

Nisto, a estátua de Ganesha (aquele elefante cor-de-rosa com muitos braços) que se encontrava pendurada no espelho retrovisor, voou com velocidade modular de 90 km/h e aceleração vertical de 9,8m/s2, criando uma nódoa negra de 3,5 cm de diâmetro na minha testa. E esta, caros leitores, é a prova irrefutável de que a física faz mal à cabeça das pessoas.

Prof: Sua besta mentirosa sigmoidal! É impossível que escrevas nesse grande blógue que se encontra novamente numa era dourada de vários posts por semana. Mais até do que vários posts! NÃO É ASSIM, FLAHUR E MIDDNIGHT?
NZL: Pronto. Isto não é um post. Está contente?
Prof: Então se não é um post, nem o sudoku do jornal, aposto que são exercícios de matemática! Ah, matemática... eles lá têm muitos mais integrais e derivadas do que nós! Como eu os odeio por isso! Nharghuah!


Pela estrada passavam diversos elefantes coloridos. Cada vez que se via um, o meu professor encostava o camião e mandava-me calcular a resultante das forças e o torque resultante, para cada um deles. Enquanto eu fazia isso, ele ajoelhava-se e fazia uma reza de adoração qualquer (inventem vocês as piadas que quiserem, que já chega de gozar com as crenças das pessoas). A viagem demorou várias horas, e cheguei atrasado ao exame.

Nunca tinha conduzido um camião com dupla embraiagem e o exame correu muito mal, tendo provavelmente deixado dúzias de crianças órfãs. Quando a minha colega foi fazer o exame, tocava no rádio uma música dos Azure Seizure e graças a isso, correu-lhe bem melhor. Para além disso, toda a gente sabe que as gajas boas nascem a saber conduzir veículos longos. Ela passou o exame, eu passei a tarde na esquadra e o meu professor ficou a ditar-me exercícios. Quando já tinha feito suficientes para ter frequência à cadeira e para ir a exame, acordei na minha cama com o despertador a berrar as 7 horas.

Tinha sido só um sonho. Por um lado até é bom... Explica os elefantes cor-de-rosa que só o dumbo ou uma pessoa com problemas graves é que vê no dia-a-dia.

E quem diz no dia-a-dia, diz nos altares hindus que tem no quarto.

“E o camandro”.

NZL