terça-feira, março 20, 2007

Saga da Lua

Sementes de Melancolia

Pouco tempo tinha passado depois da batalha, por volta de 3 horas não mais e os preparativos para o funeral do falecido filho de Yorgsh já estavam bastante avançados, a família estava toda de luto e moral em baixo e entre o momento em que acordei e o funeral permaneci no quarto de Unga entre os braços dela, sentindo as suas lágrimas a ensopar-me o pelo. Na altura do ritual, a Unga recusou-se a comparecer quando a mãe a chamou, mas no fim consegui convence-la a ir por respeito ao irmão.
A tribo toda tinha se reunida em respeito ao falecido futuro líder, suas roupas e bens pessoais jaziam em torno dele, em cima de uma pira. Estava marcado com runas pintadas com sangue de animais e estava coberto de adornos de folhas e flores em seus pulsos, parecia tão em paz que fazia esquecer que estava morto, apenas parecia descansar para uma nova jornada.

No entanto fora da minha percepção, conhecimento e até memoria, em terras mais distantes do que alguma vez se tinha imaginado que o mundo pudesse albergar, abaixo desta terra guerras intermináveis e abaixo do território Imperialium, num reino esquecido do resto do mundo os problemas começavam a levantar-se.

- Princesa, os piratas voltaram a atacar a fronteira, os reinados do sul aliaram-se contra nós, temos de reagir! – Falava um homem de porte elegante mas com roupas empoeiradas e tão negras como o seu cabelo, tendo ás suas costas uma viola.
- Eu sei Pinguças...

A princesa esfregava a testa enquanto passava a mão por uma espada de um guerreiro perdido, até que ergueu a cabeça com falsa esperança ao ouvir a porta de entrada para a sala de trono. Quem surgiu dela foi Flahur, um homem alto, com um aspecto feroz, tão sábio quanto forte, era cego de um olho, tinha longos cabelos cinzentos e vestia uma couraça de um azul tão negro quanto um céu tempestuoso acompanhado por duas raparigas gémeas com grandes asas negras. Apesar de contente com o reaparecimento deste velho amigo e tutor, a princesa não se sentia aliviada

- Já não era sem tempo, já estava farto de substituir por ti. – Afirma Pinguças. O velho sábio não responde e continua a avançar, ajoelhando-se á frente da princesa sentada no trono.
- Princesa, eu servi a si e ao seu pai durante décadas da minha vida mas...
- Flahur, o que vais dizer? Eu só estava a brincar com aquilo. – Diz Pinguças temendo as próximas palavras.
- … Não tenho nada contra ti amigo, mas, os meus ossos já estão doridos e já não consigo atender ao chamamento de batalha, desejaria retirar-me…
- estás a brincar rapaz! Nós precisamos de ti mais agora que nunca…
- Silencio! – Interrompe a princesa. – Flahur, velho mestre, companheiro, conselheiro e amigo, mais que ninguém neste reino sacrificou tanto, fostes sempre e completamente devoto ao meu pai e consequentemente a mim. Se esse é o teu desejo, estás livre.

Flahur desembainhou a sua espada e presenteou o cabo á princesa enquanto que ao mesmo tempo as duas raparigas começavam a remover a armadura do guerreiro ao mesmo tempo que o bardo observava, mortificado a desistência de um dos seus mais fiéis amigos.

- Este reino já me deu tanto, que torna este gesto insignificante, mas entrego á minha pátria a minha força e resistência.
- Não. – Nega a princesa empurrando ligeiramente o cabo de volta para o seu dono. – se há uma coisa que o meu pai me ensinou, é que nunca se deve roubar a dignidade a uma pessoa eu sei, que ele nunca seguiu isso á letra, mas a ti ele nunca te roubaria a dignidade fizesses o que fizesses, leva a arma, leva a armadura, leva qual tesouro quiseres e serás sempre bem vindo a este castelo. Que o tempo te guie a caminhos seguros.

Com essas palavras, as duas raparigas repõem a armadura ao seu senhor e seguem-no na sua saída carregando com ele um sorriso triste nos lábios. Assim que o guerreiro saiu do salão, a princesa contorceu-se no trono contendo as lágrimas de um sentimento de abandono.

- Uma musica, Sothys?

Ela nada disse, apenas abanou a cabeça. E assim as notas e palavras de uma musica de gloria antiga e esperança futura ecoaram pela sala de trono ecoaram pela sala de trono e escaparam por uma janela envolvidas no vento que transportou-as para alem do horizonte. Notas que perderam a melodia por entre sopas de ursos de gomas e palavras que perderam o sentido por entre aves a engatarem miúdas demasiado novas para entrarem na televisão até chegarem como uma melodia triste e melancólica ao triste norte.
Triste neste dia após o funeral, o jovem Grizaldo tinha-se perdido num mar de fumo e de chamas e as suas cinzas guardadas numa cripta, assim a sua espada e um colar que a sua irmã lhe tinha feito. A família de Unga tinha voltado para a sua casa, tristes e desolados, ainda por cima quando o seu outro filho de nome incerto estava sem mostrar sinais de consciência. Mas para alem do que eu pudesse esperar, algo para alem de tristeza despoletava naquela casa, uma raiva antiga e esquecida que se reacendia como um braseiro espicaçado fazendo as acusações surgir

- A culpa é toda tua Kandia! – Acusou a mãe de Unga
- Minha? Onde é que a culpa disto é minha? Eu tentei prevenir isto.
- E de muito serviu, viu-se não se viu? Um dos meus filhos está morto e outro, sabe-se lá se os deuses vão poupa-lo!
- Mas pelo menos não fiquei parada com medo do destino como tu cunhada!
- Como te atreves. – Nesse momento Urnia deu uma chapada na cara da sua cunhada, fazendo-a quase perder o balanço e pondo-a a rosnar que nem um animal selvagem por entre os seus dentes fechados e caninos aguçados. Foi nesse momento que eu reparei que Kandia não era como os outros Trolls e a Urnia ajudou-me a perceber isso com as seguintes palavras. – Sai da minha casa bruxa! Sai! E nunca mais voltes a pôr cá os pés.
- Bruxa? Ah! Se eu sou bruxa a tua filha não é menos que eu. – O tom saiu tão frio e cruel que até a mim me fez gelar e quando olhei para o meu lado só consegui ver o cabelo vermelho da Unga a desaparecer para dentro do seu quarto.
- Já chega. – Gritou Yorgsh. – Kandia, eu não te culpo por nada, mas para o melhor de todos, sai desta casa.

Não fiquei para ouvir as próximas palavras, pois esgueirei-me para dentro do quarto de Unga. Encontrei-a na cama com um cigarro apagado, uma parede pintada e um lençol dobrado, um caranguejo guerreiro com um sabre cromado, qualquer descrição manhosa e o resto é sina!

… continuando...

A Unga estava na cama chorando compulsivamente e eu fui obrigado a esquecer qualquer questão ou qualquer sentimento de culpa gerado nestes últimos momentos, subi para cima da cama e encostei-me a ela, que hesitou um pouco antes de me abraças e puxar-me gentilmente para baixo conforme se deitara.

- Desculpa lobinho, desculpa isto tudo…
- Não tens de me pedir desculpas por nada, fizestes-me mais bem do que eu alguma vez podia esperar. – Murmurei.

Ainda jorrando algumas lágrimas ela acabou por adormecer abraçada a mim e eu também não tardei em adormecer, embalado pela imagem doce daquela amiga azul descansando num mundo menos cruel fez-me deslizar rapidamente com ela. Mas o sono não foi descanso, pois segundos após fechar os olhos voltei a abri-los e vislumbrei uma figura que me fez estremecer, pois quem estava sentada na cama era uma das raparigas da minha, que eu até agora pensava ser, alucinação. Tinha sido a segunda a aparecer e aquela que me tinha abraçado agora podia vê-la bem, sua pele era branca e pura como a superfície lunar, seus longos cabelos negros desciam-lhe pela cara em tranças como suaves sedas pela suas belas e jovens feições e quando ela viu a minha surpresa começou a falar com uma voz tão fresca quanto bonita.

- Não tenhas medo, eu sei que isto deve estar a ser bastante confuso para ti mas acredita que estou aqui para te ajudar.
- E… e quem és tu? – Perguntei nervoso.
- Oh, tão mal educada que eu estou a ser, o meu nome é Créstia.
- Eu só posso estar a sonhar – Reclamei.
- E estás, portanto ouve-me que o meu tempo é curto. – Explica ela deixando-me algo mais chocado. - Tens pouco tempo, mas se subires á Montanha da Lua terás as explicações que precisas, talvez até consiga ajudar com a tua memória.
- Um sonho? Não entendo, explica-me agora!
- Agora não posso e despacha-te! Não temos muito tempo, a minha irmã está quase a chegar.
- A tua irmã?
- Sim, somos quatro irmãs, a pequena é a Nova, a que tu já conhecestes chama-se Ming Te, ela é a mais velha e depois… - ela silenciou-se como se temesse mencionar o próximo nome.
- E depois? Quem é? É a de cabelo vermelho? – ela baixou os seus olhos e continuou com o mesmo pesar.
- Essa é a Xana, tem cuidado com ela, eu não sei o que ela está a tramar ma….


- Skor!!

Acordo com um susto enorme ao ouvir a Unga a gritar por mim e quando acordo reparo num troll, cheio de runas desenhadas na sua pele e nas vestes estranhas que usava, a arrastar a Unga pela porta enquanto os seus pais olhavam para o espectáculo impávidos e serenos. Eu salto para o chão e rosno:

- O que é que estão a fazer-lhe!
- É para o bem dela Skor. – Responde-me a Urnia – é um ritual usado á gerações pela nossa tribo para limpar o sangue impuro.

Apesar da sua mãe me assegurar o grito de desespero e assustado da troll a quem eu devo a vida ecoava na minha cabeça, algo tinha de ser feito.

- Skor não os deixes fazer isto!

2 comentários:

Lunático disse...

Cada vez mais mistérios. Incrível como uma história aparentemente simples, de um momento para o outro, torna-se tão inigmática. O que é bom!

Agora estamos aqui todos em polvorosa à espera da continuação e a torcer para que o valente lobo Skor salve a (quem sabe mais do que) amiga Unga!

P.S.: O meu "evil twin" Flahur é tão genial que me faz querer ser como ele quando for grande!

Bom post!

Nerzhul disse...

Tenho um porte elegante!

Nha nha nha nha nhaaaaaaaa nha!