sábado, maio 08, 2004

A vida de Miguel Mortilho

Neste post contarei a história de alguém que nasceu desobediente, cresceu indisciplinado e morreu rebelde.
Em exclusivo para o Imperialium, a história de Miguel Mortilho:


Era a véspera de Natal de 1989, quando Filomena Mortilho fez nascer o seu rebento, num táxi que se deslocava na direcção do Hospital de Santa Maria. Como se pode imaginar, o taxista não era um excepcional parteiro, mas acabou por fazer um bom curativo na cabeça do bebé, após tê-lo deixado cair acidentalmente no chão do seu Mercedes.. A gasolina sobressalente que se encontrava no porta-bagagens do táxi serviu perfeitamente como desinfectante da ferida. Talvez se deva a este incidente o comportamento de Miguel para o resto da sua vida.
Miguel era um rapaz enérgico, um autêntico reguila, como lhe chamava a sua mãe.
Quando chegou à primária, a primeira coisa que fez foi apalpar a sua professora, que não se mostrou muito chateada com o acontecido. No segundo dia de aulas, baixou-lhe a saia à frente de todos os seus colegas e dessa vez notou-se algum incómodo na cara dela. No terceiro dia de aulas, colocou uma bolinha verde desconhecida na sopa da sua instrutora, não se sabendo se ficou ou não irritada, pois acabou por falecer horas mais tarde, num centro Anti-Venenos, por razões desconhecidas.
A sua mãe, D. Filomena, resolveu iniciá-lo à doutrina cristã, mas desistiu quando, ao assistir à santa Eucaristia com Miguel, este puxou a toalha da mesa da capela, atirando ao chão não só um livro, um prato com pão e um copo com vinho, mas também dois candelabros com quatro velas acesas, que pegaram fogo à capela, provocando um incêndio que vitimou o padre e três acólitos deste.
Após um mês inteiro sem aulas, chegou uma professora substituta, mas nem por isso Miguel acalmou. D. Ernestina era uma experiente professora anciã, perita nas leis da vida, mas segundo Miguel, não passava de uma “Velha feia e chata com um rabo grande como o caraças”, e era assim que este lhe chamava nas ameaças mortais que rabiscava no quadro, com giz vermelho, acompanhadas de hediondos desenhos que envolviam nudez com bisturis de meio metro e violência com extintores.
Miguel tornou-se num jovem sociável respeitado pelo seu grupo de amigos. Basta dizer que quem o não respeitasse, era apelidado de narcisista pedante e se protestasse muito, era infamado de ser seu próprio pai. Se, mesmo assim, continuasse a protestar, era arremessado com patinhos de borracha. No improvável caso de sobreviver aos patos guinchadores, era denunciado aos ursos e aos pardais, e estes persegui-lo-iam até ao campo de volley. Chegado ao campo de volley, no caso de gostar de lá estar, seria também ele respeitado e juntar-se-ia ao grupo de Miguel.
Miguel tinha 11 anos quando recebeu o seu primeiro computador e 13 anos quando se ligou à Internet. Facilmente se adaptou a este meio de comunicação. Nas duas primeiras semanas, o seu passatempo favorito foi conhecer pessoas novas. A certa altura, chegou à conclusão que o que fazia era uma estupidez e insultou quem conhecera de pseudo-intelectuais da treta, e ameaçou-os de dizer mal deles num Blog. O blog foi feito, e as expectativas eram altas, mas após o primeiro Post entendeu que “Bloggar” não era Fát e por isso parou. O resultado foi o seguinte: LINK!
Chegou ao 8º ano e foi traído pela sua namorada. Rapidamente descobriu com quem ela o tinha enganado e arrastou o miserável pelos colarinhos até ao Pinhal Novo, onde o pendurou num pinheiro e o empalou pelo ânus até à caixa torácica. De seguida cortou-o em vários pedaços e regou-os com gasolina. Depois acrescentou azeite, vinagre e umas rodelinhas de pepino e tomate. Acrescentou mostarda e molho bechamel que trouxera de casa. Quando tudo ficava com um aspecto delicioso, pegou fogo ao pirex e admirou o espectáculo pirotécnico.
Chegou a casa e contou à ex-namorada o sucedido. Como seria de esperar, ela ficou bastante impressionada com Miguel e perguntou-lhe se tinha ponderado em seguir uma carreira de cozinheiro. Este respondeu-lhe negativamente, mandando-a para a P*** que a pariu e desligando-lhe o telefone na cara. Dois anos depois, foi visto a trabalhar num restaurante do Bairro Alto como cozinheiro.
Foi nesse mesmo local que Miguel conhecera a mulher da sua vida. Era uma fascinante ruiva de olhos azuis, empregada de mesa no restaurante, que lhe fazia lembrar a sua primeira professora da primária. Apaixonaram-se um pelo outro, mas infelizmente acabaram por ser os dois despedidos quando foram vistos pelo gerente a fazer-meninos na dispensa do restaurante. Continuaram-se a ver, e dois dias depois da morte do gerente que apareceu crucificado na parede da casa-de-banho do restaurante, cortado e espetado com bisturis e coberto de espuma de extintor, Miguel e Diana casaram-se.
Diana recuperou o seu trabalho no restaurante, mas Miguel foi à procura de algo diferente. Após ter sido colocado e despedido em sete profissões diferentes, acabou por se fixar numa morgue em Lisboa, cujos primeiros clientes foram seis dos sete patrões que tivera, que morreram todos com uma espinha entalada na garganta, segundo as certidões de óbito.
Diana, que nunca concordara com a nova profissão de Miguel, fugiu para fora do país, levando com ela todas as suas posses e as de Miguel, e também o seu filho que transportava no ventre, deixando Miguel frustrado com a sua própria vida. Por diversas vezes ocorreu-lhe terminar com a sua vida, mas como não confiava em ninguém de lá da morgue, optou por planos menos radicais. E foi assim que pegou fogo à sua casa.
Os anos passaram e Miguel, agora chamado de Sr.Mortilho, arrependeu-se de pegar fogo à casa irreflectidamente, e foi viver para casa de seus pais. Meses depois, o seu pai falece de leucemia crónica e dois dias depois a mãe morre de mágoa.
Após estas duas mortes, Mortilho conseguiu manter a calma, mas quando foi despedido perdeu a cabeça. Pegou por isso fogo à casa de sua mãe. Mais uma vez se arrependeu, como foi possível reparar por expressões como: “Fdx! Ca ganda besta quadrada que eu sou!!” ou “Porra, que eu sou muita parvo.. agora onde é que vou desenvolver os meus planos para acabar com o mundo?!”. A resposta estava numa paragem da Carris no Bairro Alto, que sem dúvida oferecia uma forte resistência contra uma possível Era Glaciar ou um impacto de meteoro, mas nunca contra um ataque bem coordenado de ursos sofistas vendedores de seguros de porta em porta. A paragem em causa é uma de vidro que até tem um banco, situada numa rua grande, ao pé de um caixote do lixo.
Era no fundo desse caixote do lixo que Mortilho guardava os seus dois únicos pertences: um cobertor bolorento e uma cadeira de rodas de bolso. Quando, um dia, acordou e viu o aviso de evicção colado no vidro da paragem ficou fulo e começou a agredir as pessoas que estavam em pé à espera da camioneta. Toda a gente ficou no chão a sangrar, gemendo e contorcendo-se enquanto Mortilho os mandava calar, esperando pacientemente a camioneta. Quando esta chegou, entrou nela e desancou o motorista, com a cadeira de rodas que tirou do bolso.
Fez passar o seu bilhete pela máquina e tomou conta da camioneta, ameaçando todos os passageiros de morte à cadeirada caso tugissem, e conduziu-a até a Assembleia da República, pois queria perguntar aos ministros por que o expulsavam da sua paragem. A caminho da Assembleia, não parou num semáforo que se encontrava vermelho e, como consequência disso, um polícia sinaleiro arremessou o seu apito em direcção ao pára-brisas da camioneta. O vidro partiu-se com o impacto do apito e diversos vidros voaram desenfreadamente na direcção de Mortilho, que acabou por morrer de fome, ao ver que tinha um fragmento de vidro espetado na testa.

Descansa em Paz, caro Miguel.

NZL

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