segunda-feira, janeiro 03, 2005

Fuga do Hospício

Últimos Dias

No dia 30, enquanto estudava aplicadamente a melhor maneira de começar a estudar nestas férias, recebi uma carta do meu mordomo Stuart. Nela dizia o seguinte:

"Caro Mestre tresloucado,

Dia 1, no princípio da tarde, eu vou buscá-lo ao manicómio. Espero por si perto da vedação a norte. E não me responda a dizer que não quer fugir desse lugar que eu bem sei que não deve haver diversão alguma. Pelo menos no seu castelo há sempre forasteiras assustadiças e aprazíveis esteticamente que vão lá constantemente pedir informações.

Traga a Manuela F. Leite, que um amigo meu, o Igor, a quer conhecer. Ele tem mau gosto, eu sei, mas o que é que se podia esperar de alguém que anda há séculos fazendo sexo com uma galinha do tamanho de hipopótamo?

Não se esqueça de estar ao pé da vedação por volta das 12:00. A propósito, um dia, depois de voltar a ser considerado normal a nível psicológico e quando for seguro passar por aí, podia-me apresentar a enfermeira loira boazona? Pelo que ouvi, ela chama-se Sandra. Mas depois logo se vê…

Cumprimentos do seu fiel servidor, Stuart."

Fugir do manicómio e viver uma temporada a tentar me esconder das autoridades que me tentassem encontrar para me obrigarem a voltar para cá não me podia soar melhor. Esta ideia do meu mordomo cheirava-me a aventura, perseguição, carros da bófia a voarem e embaterem uns contra os outros, lutas frenéticas de artes marciais onde sairíamos sempre vencedores e a sopa. Na realidade não era bem a ideia do Stuart que me cheirava a sopa, mas sim o jantar no hospício. Lá me encaminhei para a sala para tomar a primeira das minhas últimas refeições naquele entediante local. Não houve nada de relevante a relatar sobre o final deste dia.

Na manhã seguinte, por volta das nove horas, decidi ir contar tudo à Manuela. Como de costume, Anselmo Curioso e Guido (o Emplastro) também lá estavam:
Lunático: Manuela, ahm… eu ‘tou a planear fugir deste manicómio e quero que venhas comigo.
Manuela: Hmm? Porque é que queres fugir? E porque é que queres que eu vá contigo?
Lunático: Ahm… Eu quero fugir porque ‘tou farto disto. ‘Tou farto de só me servirem sopa ao jantar e de se esquecerem sempre de pratos para os meus amigos imaginários. Já viste só? Eu tenho de dividir sempre a minha comida com 24 pessoas! Isto não se faz!!
Manuela: Esqueceste-te de responder à minha segunda pergunta…
Lunático: Um amigo do meu mordomo ‘tá interessado em te conhecer.
Guido: Hey! Para onde vocês forem eu também vou!
Anselmo: Sim! Eu também não quero ficar cá sem vocês. É sempre o Soares que me ensina maior parte das coisas em computadores. Vejam lá que ele no outro dia me explicou para que é que servia o teclado. Se ele se vai embora, eu morro de falta de cultura.
Lunático: Desculpem lá, mas vocês os dois não podem vir. Somos demasiadas pessoas, e além do mais o Guido dá sempre nas vistas.
Guido: Não dou nada! ‘Tás a ser injusto em nos deixar aqui sozinhos!
Anselmo: Pois é! E ainda por cima prometeste que me ensinarias o que é e para que serve o rato de um computador.
Lunático: Porra! Não sejam chatos! Manuela, vens ou não?
Manuela: Não vou!
Guido e Anselmo: Vamos sim!
Lunático: ‘Tejam calados! Eu não ‘tou a falar convosco! De certeza, Manuela? Olha que ouvi dizer que o Igor, o gajo que te quer conhecer, tem um grande pé-de-meia. E além do mais vive num castelo com muito para se roubar… Mas se tu não queres, pronto…
Manuela: Hey! Quem disse que eu não quero? Vou, sim senhor!
Anselmo: Pé-de-meia?! Ok, eu vou contigo Manuela! Tenho de descobrir o que isso é.
Guido: Eu também vou! Quero voltar para a minha linda cidade, o Porto.
Lunático: Já disse que vocês não iam!
Anselmo (deitando-me a língua de fora): Nós não vamos contigo! Nós vamos com ela!
Guido (imitando o gesto do amigo): Pois é, pois é!
Lunático: Mas ela vai comigo, idiotas!
Manuela: Deixa-os irem. Talvez ainda ganhe algum dinheiro com eles se os vender a um circo.
Lunático: Só se eu ficar com 50% do dinheiro que receberes deles.
Manuela: Combinado!
Durante o resto do dia não ocorreu nada de especial, tirando a perseguição de um dos neo-nazis ao João que tem a mania que tem piada. Foi engraçado ver o João a atirar-se da varanda e a ficar inconsciente com a queda. Mas o palhaço de um dos enfermeiros teve de desarmar o neo-nazi antes que ele o conseguisse assassinar. Por falar em palhaços, vimos o final da Quinta das Celebridades na passagem de ano. A vitória do Zé WC só demonstrou o quanto a nossa sociedade está a evoluir, pois parece já não existir homofobia neste país. “Bons costumes que se perdem”.

Fuga

Acordei às 10:37 no primeiro dia de Janeiro. Perto das 11:40 já estava mais que preparado para fugir. Tinha inclusivamente na mala mantimentos que, bem geridos, podiam durar uma semana. A Manuela e o Anselmo também se despacharam rápido. O Guido, como não apareceu até às 12:01, sugeri que fôssemos embora sem ele e o grupo só teve de concordar.
Lá fora estava o Stuart, tal como tinha-me escrito na carta. Estava dentro de um belíssimo Lamborgini lendo uma revista porno.
Lunático (acabando de saltar a rede): Toca a arrumar isso. Temos que nos despachar antes que alguém dê por nossa falta.
Stuart (sorrindo): Sim, mestre.
Lá entrámos dentro do carro, eu à frente, ao lado do meu mordomo, e os outros dois atrás. Stuart, ao reparar na presença de Anselmo, não mostrou muito agrado.
Stuart: Quem é este indivíduo?
Lunático: Um idiota que ainda nos vai lucrar algum depois de o vendermos a um circo.
Stuart: Não se vendem pessoas aos circos, ou vendem-se?
Lunático: Não sei… Mas foi a Manuela que deu a ideia e, como ela foi política, deve saber disso.
Stuart: O mestre acredita nos políticos?
Lunático (preparando-se para correr com o Anselmo ao pontapé): Ok, tens razão.
Mas, por azar, não tive tempo de o expulsar do carro, pois apareceram uns quantos enfermeiros acompanhados pelo Guido que chorava e berrava “Abandonaram-me!” e tivemos de arrancar.
Lunático: Diz-me Manuela, como tencionas vender o Anselmo a um circo?
Manuela: Sem o Emplastro a fazer de duo, vai ser complicado.
Lunático: Mas podem-se vender seres humanos?
Manuela: Não sei. Mas penso que sim. Afinal hoje em dia os circos fazem tudo para arranjar novas atracções de modo a terem público.
Lunático: E porque razão iriam querer este cromo?
Manuela: Ok, tens razão… Anselmo, querido, nunca te questionaste para que serve isso?
Anselmo: Isso o quê?
Manuela (apontando para o fechador da porta): Isso.
Anselmo, movido pela sua inextinguível curiosidade mexe no fechador e consequentemente abre a porta. De seguida, leva um pontapé da Manuela e cai para fora do carro o que chama a atenção de uns polícias que estavam fazendo uma operação stop. Eles não hesitaram muito até se porem em perseguição a nós.
Lunático: Argh! Manuela, só fazes disparates!... O Igor vai te pagar alguma coisa para conhecer esta gaja, Stuart?
Stuart: Não.
Ao ouvir a resposta do meu mordomo, saltei para o banco de trás abri a porta do lado da nossa indesejada passageira e atirei a contra o vidro frontal do carro da polícia, o que os atrasou bastante e fez com que nos perdessem o rasto. Mas nestes dias temos de contar com o progresso tecnológico e na maior eficácia das autoridades portuguesas. Nós, desprevenidos nunca imaginámos que eles, um pouco mais à frente, tivessem o caminho obstruído com picos de metal e dois carros patrulha. Lá passámos por cima dos picos e ficámos com os pneus furados. Devido a isto, tivemos que fugir deles a pé. Entrámos numa mata, seguimos uns caminhos marados e finalmente conseguimos-lhes escapar.
Lunático: Porra! Agora é que ‘tamos lixados! Tens um mapa contigo?
Stuart: Não.
Lunático: A nossa sorte é que tenho comida a dar com um pau na mochila.
Stuart: Não se preocupe, eu tenho dinheiro suficiente para irmos comprando umas coisas enquanto não chegamos ao castelo.
Lunático: Poupa o dinheiro, ele poderá vir a ser preciso mais tarde. Agora temos de continuar a andar até encontrarmos alguém que nos indique onde estamos exactamente.
E lá começámos aquela dolorosa caminhada. Nunca tinha andado tanto na minha vida. A mata onde estávamos era de facto enorme, pois só à noite conseguimos ver o seu fim. Mesmo assim preferimos passar lá a noite. Dessa noite só me lembro de estar a ser acordado constantemente pelo Stuart, que a uns sete metros de mim, gritava enquanto dormia: “Lucinda! Oh Lucinda! Que ricos lábios, Lucinda! Lucinda, fazes isso como ninguém! Oh Lucinda!”.

Na manhã seguinte, depois de acordar e de comer umas poucas broínhas, pusemo-nos novamente a andar. Já numa zona residencial, encontrámos uma menina com os seus sete anos sozinha a comer um chupa em formato de coração.
Stuart: Mestre, está a ver o mesmo que eu?!
Lunático: Sim. Não me digas que viraste pedófilo?
Stuart: Claro que não! Mas o facto de ela estar sozinha e com um daqueles chupas que nunca provei, dá-me ganas de a roubar.
Lunático: Ah! ‘Tava a ver… Força! ‘Tás à vontade.
O Stuart tentou roubar o chupa à rapariguinha mas, surpreendentemente, ela deu-lhe um enxerto como nunca ninguém lhe tinha dado. Eu fui lá tentar defendê-lo mas apanhei um tamanho murro que me fez voar uns dez metros. Está claro que não podia ser uma rapariga vulgar, portanto disse-lhe:
Lunático: Que ser és tu? Não podes ser humana.
Rapariga (tirando a máscara e relevando-se um réptil ainda maior que um tyranossauros rex): Eu sou o Godzilla!!
Stuart: Ah, bem me parecia! Não era qualquer um que me punha a ver estrelas daquela maneira.
Lunático: Porque é que ‘tavas mascarado de criança?
Godzilla: Por causa das tsunamis que aconteceram lá para aqueles lados. Não fui eu que fiz aquilo, pois nessa altura estava numa jogatana de cartas com o Nessie, mas quem mais no Mundo poderia ser responsabilizado por aquilo? Ninguém vai acreditar em mim… Vou ter de andar mascarado de menina até ao fim da minha vida para não me prenderem.
Lunático: Vais nada! Olha, eu posso te ilibar. Digo que também lá estava contigo jogando. E o Stuart também. Dizemos que era uma suecada.
Godzilla: A sério? Fazes isso por mim?
Lunático: Yá, desde que nos deixes ir embora sem nos dares mais tareia.
Godzilla: De certeza que não queres mais nada para além disso?
Lunático: Ok, pensando bem, podias me ir procurar uma zona em que a entrada esteja protegida por árvores?
Godzilla (franzindo o sobrolho): Hein?... Hmm… Por mim tudo bem. Como queiras… É verdade, e como te informo?
Lunático: Dás-me um toque. Tens o meu número? Então espera que já to digo…
Depois de lhe ter dado o número, lá foi ele a correr fazendo estremecer o chão a cada passada sua.
Stuart: Porque é que o mestre quer uma entrada com árvores?
Lunático: Não me ligues, pah. Tenho problemas mentais.
Rapidamente chegámos a uma bomba de gasolina onde nos informámos onde estávamos. Percebemos que ainda tínhamos que andar muito até chegar a casa. Não podemos demorar muito tempo na bomba, pois reparámos que a minha cara estava em alguns jornais, dizendo como título “Louco à Solta”. Felizmente ninguém reparou em nós. Tal como no dia anterior, continuámos a caminhar até à noite. Comemos pouca coisa e tentámos dormir, eu em cima de uma árvore sobre um enorme ramo e ele encostado ao tronco da mesma. Vendo-me a olhar para cima, o Stuart pergunta-me:
Stuart: Olha para as estrelas, mestre?
Lunático: Sim. Que inveja! Sabes… Preferia ter nascido antes em Saturno.

E, com isto tudo, não estudei durante as férias.
Continua no próximo post.

Ass.: Lunático

P.S.: Se encontrarem a tal entrada, digam-me se faz favor.

0 comentários: