domingo, fevereiro 29, 2004

Mais um relato de acontecimentos aborrecidos..

Esta foi a minha tarde de hoje.. para não me chamarem de não-conciso, vou contar esta história de duas formas, senão querem ler a forma extensiva toda, não vale a pena lerem nada.

Versão Resumida:
Dia aborrecido junto à igreja.

NZL

Versão Extensiva:
Cheguei ao pátio da pequena capela e já lá se encontrava gente suficiente para dar sentido à destruição de uma granada. De facto, estava lá tanta gente que senti a minha auto-estima aumentar por ver tanta gente ignara à minha volta. Mas depois comecei a pensar que na realidade eu não era melhor que todos eles, e isso fez a minha auto-estima descer novamente. Dei rapidamente uma vista de olhos por todos os presentes e concluí que se podia dividi-los por dois grupos: um maior, composto pelas pessoas que eu não conhecia e não me diziam absolutamente nada; e outro menor, constituído por pessoas que eu conhecia, mas que também não me diziam nada. Encontravam-se também presentes a minha mãe e a minha irmã.
Estava na hora de formar. Reuniram-se todos os escuteiros de forma célere e elegante e dividiram-se por patrulhas. Foi então que a minha mãe me disse para que tirasse umas fotografias e foi o que fiz. Tirei umas quantas ao acaso, pois a minha irmã estava perdida num mar de tanto chapéu, camisa, saia ou calções, tudo vestido de modo a gerar um aspecto impecável e completamente irrepreensível. Até o tempo estava de acordo com a ocasião: o sol encontrava-se radiante e só estava uma ou outra nuvem completamente branca no maravilhoso e infinito céu azul que caracterizou esta bela tarde. Foi aí que me apercebi que tão cedo não me livraria daquela chatice pegada.
Um fulano que parecia ser o chefe, dizia qualquer coisa (entre diversos “Alerta!”) ao que cada patrulha respondeu com o seu grito. Como devem calcular, era imperceptível o que cada patrulha ia guinchando à excepção de uma, que se encontrava perto do local onde eu estava, que disse “Patrulha golfinho, remar contra a maré, oinck! Oinck! Oinck!”. A julgar por esta frase, e não querendo rebaixar tão indispensável manifestação jovial, é fácil imaginar que o resto dos gritos era igualmente infantil e sem nexo algum.
Após este fantástico momento, realizou-se um minuto de silêncio respeitado por todos os pequenos e grandes escutas, perturbado diversas vezes por pessoas que se encontravam atrás de mim. Neste minuto de silêncio tomámos todos consciência que o sol estava demasiado quente e tomei eu consciência que estava melhor na praia. Depois do minuto de silêncio, as pessoas normais rezaram o Pai Nosso.
De seguida, tive mais uma prova do rigor de tão ilustre grupo: enquanto cantavam o Hino de Portugal de forma harmoniosa, era de esperar, visto que a ideia era essa, que todos levantassem três dedos de uma das mãos e que o fizessem todos de forma igual. Então era ver uns só com dois dedos levantados, outros com os dedos da mão errada, outros com ambas as mãos escondidas na bonita farda que exibiam. Enfim, não se deve julgar o todo pela parte, e não posso dizer que o grupo estava descoordenado só por causa de quatro ou cinco almas perdidas. Na realidade posso, mas não o vou fazer.
Cantou-se em seguida outro hino que presumi ser o de Escuteiro. Ergueram-se as bandeiras de Portugal e uma outra, que supostamente era a bandeira dos Escuteiros. A última a meia haste.
Chegou então a hora da Missa. Tive a sorte de não conseguir entrar, porque a capela não foi suficiente para albergar tanta gente. As minhas preces foram ouvidas. Entreguei a máquina fotográfica à minha mãe à medida que ela se perdia, no meio de tanta gente, dentro da capela, cujo interior, aos meus olhos, parecia um local extremamente negro e obscuro. Maravilhado com a ideia de não ter de assistir à Missa, fui-me refugiar no espaço lateral à capela que era relativamente amplo, estreitando à medida que se avançava em direcção às traseiras desta. Ali cirandei eu durante cerca de hora e meia, contemplando as nuvens imóveis que insistiam em não tapar o abrasador sol que se fazia sentir. Cirandava erroneamente entre uns arbustos despidos de folhagem, que me fizeram lembrar aquilo que alguém descrevera como uma bonsai. Avistei então um avião que se encontrava por cima de mim, mas bastante mais longe. O avião deixava um rasto que desaparecia momentos depois, e não consegui deixar de comparar aquele rasto de fumo à vida humana. À medida que fiz esta comparação, a minha mente começou a divagar nas questões filosóficas habituais, mas quando comecei a ouvir cânticos vindos de dentro da capela, o meu pensamento foi suspenso por momentos e dei por mim a comparar Deus ao avião, que entretanto desaparecera atrás de uma frondosa nuvem. Tinham-se passado uns 10 minutos e já estava melancólico a este ponto..
Foi então que apareceram dois rapazes. Vim a descobrir mais tarde que tinham ambos 7 anos. Ambos usavam roupa comum, embora um deles usava uma camisola dos Escuteiros. Esse usava também óculos e tinha um boné azul. Não obstante da diferença de idades, cheguei à conclusão que pensamos os três de maneira idêntica. Contava o de óculos ao outro, enquanto ambos se divertiam a saltar de um pedaço de cimento conjunto com a parede da capela para o chão: “Aquilo lá dentro é mesmo chato, é só cantar e rezar. E depois há uma altura em que se tem de comer uma coisa, é só um pedaço de pão assim redondo – exemplificava com os dedos – mesmo pequeno, que só os meninos com mais de 10 anos é que podem comer.. É uma seca.” Ouvindo isto, não pude deixar de esboçar um sorriso e pensar «Quem me dera ter 10 anos».. Perante o meu espanto, o outro respondeu-lhe: “Que seca. – parou por instantes - Quem me dera ter 10 anos.” As nossas razões eram diferentes, mas queríamos ambos a mesma coisa, embora eu saiba que se o miúdo imaginasse o que tinha à frente dele, não tinha dito aquilo de maneira nenhuma. Passado um bocado os putos foram-se embora, evitando ao máximo aproximarem-se de mim, e dizendo qualquer coisa sobre uma “espada” e um “raio”, enquanto o miúdo dos óculos discutia com o outro, porque se ele era o da “espada”, ele queria ser o do “panda”.
O tempo parecia estar parado, como as nuvens, que estavam tal e qual como quando cheguei a este entediante cenário, marcado por um templo em honra de um deus, que à imagem do templo, se encontra gasto e enferrujado, provavelmente velho demais para fazer seja o que for neste miserável planeta. Continuava a caminhar feito estúpido, parando somente de vez em quando para me assoar ou para escutar o que se passava dentro da capela. Cheguei a ouvir coisas como “Glória a Deus nas alturas!” e lembro-me de ter pensado que a Glória devia ser uma maluca. De seguida aconteceu-me mais uma cena que ainda não consegui compreender plenamente.
“Olá!!” – gritou uma vozinha irritantemente aguda atrás de mim, fazendo-me descer do planeta em que me encontrava em direcção à Terra. Olhei para trás e vi uma pirralha, que devia ter no máximo uns 7 anos e que pela cara dela estava à espera de uma resposta minha.
- Oi – disse eu secamente.
- Sabes do meu irmão?” – perguntou-me ela
- Não – respondi eu.
- É um rapaz que tem boina.. e que está sempre agarrado a mim. – acrescentou ela.
- Não sei.
- Ok.
E foi-se embora. Estava eu a voltar para o meu caminhar aborrecido, quando ela reapareceu.
- A tua mãe? – perguntou-me ela.
- Está lá dentro.. – disse eu apontando o queixo à parede da capela.
- Vieste sozinho? – perguntou ela.
- Não. Vim com a minha mãe. – respondi.
Ela parou por um bocado. Olhou para a capela, deu uma vista de olhos sem fixar nada e voltou a chatear-me:
- A tua mãe?
«Isto não me está a acontecer!!!», pensava eu. Ri-me e disse-lhe adeus. Comecei a andar em direcção às traseiras da capela quando ela me disse:
- A minha mãe tem cabelo aos caracóis!
- Óptimo – respondi eu sem olhar para trás.
Perante o meu espanto, a pita agarra-me a manga e começa-me a puxar para trás, ou seja, na direcção dela. Rodei rapidamente, fazendo-a largar-me o braço e quando olho em frente vejo que tinha aparecido uma daquelas pessoas do segundo grupo. Educadamente disse boa tarde, ao que ele me respondeu no mesmo nível, isto enquanto me debatia para que a miúda me largasse; quando ele olhou para a pita com cara de caso, eu disse que tinha feito “uma nova amiga”. Ao que ele fingiu um riso parvo, que mais valia ter ficado calado. Eis que a pita me volta a agarrar a manga e aparece uma fulana forte com óculos escuros e cabelo encaracolado que chamou por ela. Arranquei-lhe mais uma vez a manga da mão dela com um gesto brusco, à medida que ela também a largou pois correu para a mãe que lhe começou a dizer que não me conhecia de lado nenhum, e eu digo qualquer coisa como “Não se preocupe, ela estava só a brincar..”, o que foram palavras mal escolhidas, pois consegui ler por trás dos óculos pirosos da mulher as palavras “medo” e “indignação”, que apontavam, por sua vez, numa só direcção: “pedofilia”. Ela estaria de certo mais preocupada, não com o que a miúda me tinha chateado a mim, mas o que eu a tinha “chateado”. Em vez de estar preocupada com a lastimosa vigilância da filha que ela própria efectuou. Como se não bastasse, depois daquela cena, em que a mulher me censurou indirectamente por algo que eu não estava a tentar fazer, comecei a ouvir umas mulherzinhas a falar à janela de suas casas, situadas na outra margem da rua da capela, sobre os jovens de hoje em dia. Escusado será dizer que elas se deviam ter apercebido da cena e ficaram também com a impressão errada do que realmente acontecera. Para não me dar vómitos ou não dizer umas quantas menos apropriadas, fugi dali e fui para a frente da capela, esquivando-me do olhar de censura da outra fulana que entretanto tirara os óculos.
As pessoas começaram então a sair da capela, ainda entoando os cânticos que caracterizam esta religião. Observei-as à medida que iam saindo. Reconheci diversas pessoas que não fazia a mínima ideia que eram escuteiras, entre elas uma rapariga que conhecia e me sorriu quando a vi, mas que fingi não reconhecer. Obrigando-a a fazer cara de parva, o que me agradou imenso, pois ela mereceu isso. Reconheci ainda outra pertencente ao Beautiful People e ao grupo das pessoas partidárias do movimento: "Cumprimentar é principal, conviver secundário" que me irrita solenemente. Devo ser Anti-Escuteiros.
Pretextei que estava pior da constipação que me atormenta faz já 3 dias e pedi para que a minha mãe me fosse levar a casa. Ainda estive lá tempo suficiente para ver a Neo-Madrinha da minha irmã, outra escuteira, dar-lhe um ramo de flores. Segundo certas pessoas só estava a olhar para a madrinha e estava “com aqueles olhos”, pois a rapariga é uma maravilha da Natureza, segundo a mãe dela claro, que evoca aquilo como se fosse um atributo divinal. Não que ela seja feia, ou que tenha alguma culpa de o não ser, mas enojo-me ao recordar-me da enaltecida caracterização feita pela sua mãe. À medida que ia saindo pelo portão enferrujado do pátio da capela, porque ferrugem não parece faltar por aqueles sítios, vi ainda os escuteiros a agitarem os seus lenços no ar. Espero que aquilo tenha algum significado para eles, porque para mim não é senão mais uma manifestação de estupidez. Mas a minha opinião decerto não interessará a tão devotos escuteiros. A minha verdade não lhes interessa, vale mais as minhocas que lhes impingem. Por todo o lado ouço dizer que só se acreditando é que se conhece a verdade, mas eu faço a pergunta.. se “acreditar é conhecer”, como é que há gente que renuncia ao conhecimento vinculado pela crença?

NZL

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